Além do cinema: com Romario Baggio e franceses, Madagascar é a surpresa da Copa Africana
"Jogamos futebol em todos os lugares em Madagascar: nos campos de arroz, em um campo de mandioca...”, explica meio-campista, batizado em homenagem aos destaques da Copa de 94
A ilha de Madagascar, a quarta maior do mundo, é mais famosa no Brasil pelo filme de animação que leva seu nome e hit do axé dos anos 1980 do que pelos feitos no esporte. Mas o futebol local vem trabalhando para quebrar essa sina.
Numa tacada só, a seleção malgaxe deu ao país a inédita vaga na Copa Africana de Nações e ainda se classificou para as oitavas de final com direito a vitória sobre a favorita Nigéria. Tudo com a ajuda de um nome bastante familiar aos brasileiros. Ou melhor, dois nomes: Romário e Baggio.
- Meu pai que escolheu esse nome. Nasci em 1996 e meu pai adorava os jogadores Romário e Baggio por conta da atuação deles na Copa de 1994. Eu conheço Romário um pouco e já assisti a alguns vídeos dele. Mas nós não atuamos de forma parecida, até porque não somos das mesmas posições. Ele é um atacante e eu sou meio-campista - explica o meio-campista Jean Romario Baggio Rakotoharisoa, em entrevista ao GloboEsporte.com.
Numa seleção recheada de nomes como Razakanantenaina, Nomenjanahary, Andriatsima, Andriamatsinoro... Romario Baggio, reserva na campanha até aqui, seria um alívio enorme para os narradores estrangeiros. O sobrenome complicado, inclusive, passa despercebido na sopa de letrinhas que é um típico nome magalxe.
O reflexo da colonização francesa na seleção também torna mais fácil a vida dos narradores estrangeiros. Além do técnico Nicolas Dupuis, jogadores como Adrien, Fontaine, Amada, Gros, entre outros, dão um toque francês na equipe sensação da Copa Africana de Nações. E o efeito pode ser visto dentro de campo, mesmo 50 anos após a independência da ilha africana.
- Os Barea (apelido da equipe) se parecem um pouco com os Bleus, com muitos jogadores estrangeiros. Eu não tenho nenhum problema com isso. Somos solidários e estamos juntos. Os malgaxes são solidários. Na nossa cultura, existe a "fihavanana" (palavra malgaxe que abrange o conceito local de parentesco, amizade e boa vontade entre seres, tanto físicos como espirituais) – completa o meio-campista homônimo dos dois grandes nomes da Copa de 1994.
É bem verdade que a nova fórmula com 24 seleções, ao invés de 16 como antigamente, convidou novos países para a festa, como Madagascar, que não hesitou em aproveitar a oportunidade. Só que os Barea foram além e terminaram na primeira colocação de sua chave, à frente da tradicional Nigéria, que derrotaram por 2 a 0.
- Não há vergonha em perder para eles. Eles são fortes e têm um bom técnico. Podem chegar longe no torneio – comentou o técnico da Nigéria, o alemão Gernot Rohr, após a surpreendente derrota das Super Águias na fase de grupos.
Por conta da liderança em seu grupo, Madagascar terá pela frente nas oitavas a modesta seleção do Congo. Além disso, escapou da chave mais forte do mata-mata, que terá Egito, Camarões, Argélia, Costa do Marfim e a própria Nigéria.
Poucos recursos, força política
Há quem diga que as coisas começaram a melhorar desde que o ex-presidente da federação local Ahmad Ahmad assumiu o comando da Confederação Africana de Futebol (CAF) em 2017. A força política impressiona diante do amadorismo local. O técnico da equipe, Nicolas Dupuis, tem dois trabalhos e se divide com as obrigações com o FC Fleury, da quarta divisão francesa. Tampouco há uma liga profissional no país.
A situação na ilha além do futebol não é muito melhor. Em 2012, a população de Madagascar estava estimada em pouco mais de 22 milhões, sendo que 90% da população vivia com menos de dois dólares por dia. Não à toa o país aparecia na 161ª posição (de 189) no ranking de qualidade de vida, com um IDH avaliado em 0,519, nível considerado baixo baixo. Diante das dificuldades, o futebol acaba sendo um bom refúgio.
O presidente de Madagascar, Andry Rajoelina, fretou um avião especial para os torcedores que quiserem assistir no domingo à decisão contra o Congo pelas oitavas de final da CAN.
- Após escutar os pedidos dos torcedores, o presidente Andry Rajoelina e o Estado Malgaxe decidiram mobilizar um Airbus 380, com 480 lugares, para transportar quem quiser assistir no Egito à partida de domingo - declarou nesta terça-feira à AFP a porta-voz do governo, Rinah Rakotomanga.
A viagem, porém, não será gratuita. Será preciso desembolsar cerca de 2.200.000 ariarys (cerca de R$ 2.280 reais) para a passagem de ida e volta, que inclui comida, água, ingresso para o jogo e transporte aeroporto-estádio.