Impossível falar de jiu-jitsu e não mencionar Rorion Gracie. Responsável por popularizar o estilo de luta pelo mundo - uma afirmação que levanta discussões calorosas entre membros da própria família -, o carioca radicado nos Estados Unidos fundou um campeonato de lutas marciais para provar a superioridade do jiu-jitsu perante outras modalidades, e, além de provar seu ponto, entrou para a história do esporte e do entretenimento como um dos pais do UFC.
Em encontro com a GQ, Gracie contou a respeito de sua vida e obra, em vídeo com imagens raras e inéditas de seu arquivo pessoal, e explicou o processo complexo de relacionamentos da família, sua visão sobre o UFC atualmente e uma de suas bandeiras do momento, a Dieta Gracie.
Como você vê o UFC hoje?
É uma máquina esportiva muito bem lubrificada, uma máquina de fazer eventos muito bem feitos e caprichados. Quanto mais cresce o UFC, melhor. Não vejo como um evento de luta de verdade, é um show de entretenimento. Mas como o circo que se propõe a ser, é um trabalho maravilhoso.
Como você enxerga a violência no UFC?
No futebol americano, tem muita violência também. Em uma corrida de carro, às vezes tem um acidente e a pessoa morre. Nesse caso, faz parte. Uma violência inusitada, como eu pessoalmente acho, de dois caras dando murro um na cara do outro... eu não assisto ao Ultimate. Desde que vendi, nunca mais assisti. Minha proposta de UFC inicialmente era educacional, completamente diferente de hoje em dia. Botava os caras para brigar para eles demonstrarem sua arte, nem que seja através de um pouco de violência, mas o resultado vai ser para quem assiste que o cara 'a' é melhor que o' b'. Hoje em dia você pega dois caras que fazem a mesma coisa, bota um na frente do outro, murro na cara, uma sanguinária danada... é quase uma violência desnecessária. São como gladiadores que vão lá quebrar a cara um do outro. Apesar dos atletas merecerem meu respeito, o soco na cara pelo soco na cara é uma violência desnecessária.
Série de campeões flagrados no doping. O sistema do UFC impulsiona isso?
O cara fica tão empolgado em querer ganhar, ficar no topo da montanha, que eles começam a fazer coisas que normalmente não fariam. Tem a ver. O atleta bota essa pressão em cima dele.
Uma das bandeiras que você levanta hoje é da Dieta Gracie.
Diferentemente dessas dietas que entram e saem de moda, a Dieta Grace, que não deveria ser chamada de dieta, porque você pode comer de tudo – a única coisa que a gente não come é carne de porco – desde que você combine os alimentos de maneira correta. É um estilo de vida. Você vai se sentir tão bem que você nunca mais vai olhar pra trás. Os conceito básicos são: 1) são três refeições por dia, com espaços de 4 horas e meia, 5 horas entre uma e outra – café da manhã, almoço e jantar. Negócio de lanchezinho da manhã e à tarde é a maior roubada que existe, apesar dos nutricionistas recomendarem que se coma de três em três horas. Algo completamente diferente do nosso conceito. Três horas não é tempo suficiente para uma digestão completa, por isso os intervalos mais longos. Mais do que isso pode ser, nunca menos. 2) Quando se come comida de panela (macarrão, peixe, verduras), não se deve comer doces ou sobremesa. A combinação de doce com coisas gordurosas é nociva a sua saúde. 3) Apenas um cereal por refeição. Não às combinações de arroz com feijão, batata com pão. Não se deve misturar.
Como é a relação entre os membros da família Gracie?
Às vezes você tem uma família com dois filhos – um, o estudioso e trabalhador, e o outro, não quer saber de nada, é um vagabundo, tá roubando na carteira. Tem de tudo. Isso em uma família de dois. Em uma família como a nossa de 300 pessoas, é natural que você tenha muita gente que pensa diferente, se comporta diferente. Como é uma família famosa, e como todo mundo que cresce na família Gracie acaba tendo muita alta-confiança, uns preparados, outros menos, mas todo mundo achando que sabe tudo, é natural que exista um conflito de opiniões e de atitudes, é da vida.
A historiografia da família Gracie é conturbada, entre os lados de Hélio, seu pai, e Carlos, seu tio.
Meu tio Carlos, que pra mim era um segundo pai, costumava dizer o seguinte: “A família Gracie é uma miniatura da humanidade: se você quiser fazer os maiores elogios a um indivíduo, você vai achá-lo na família Gracie; e a escória da humanidade também está nela”. É um zoológico, você tem todo tipo de animal ali dentro (risos). É natural que uma pessoa como eu, que tenha ido pros EUA antes de todo mundo, continuei até criar um troço que revolucionou, literalmente mudou o mundo, que foi o UFC. Nem todo mundo fez o que eu fiz. Um pouco da rivalidade, um pouco do ciúme, faz parte da brincadeira. Não sei até que ponto eles são afetados por isso. Não tenho tempo de olhar para trás, estou sempre mirando para alguma coisa positiva à frente. O pessoal vem atrás reclamando, batendo panela, mas cada um faz o que quer. Eu tenho a consciência tranquila.
Como foi a história do processo que Carley Gracie, seu primo, moveu contra você em 1994, sobre o uso do nome Gracie?
Fui pros EUA para levantar o jiu-jitsu. Criei o UFC. Na primeira edição, esse meu primo, enciumado com o meu sucesso, resolveu entrar numa ação comigo para dizer que ele havia chegado antes e ele deveria ser o dono da marca Gracie. A namorada dele é advogada, ele resolveu fazer o processo. Eventualmente, perdeu o processo, ficou me devendo os custos de advocacia, no final ele foi bankrupcy – entrou com um processo para dizer que estava falido e não conseguia pagar as contas dele. Hoje, o triângulo é meu, o símbolo, e a marca Gracie também. O termo ‘Gracie Jiu Jitsu’ pode ser usado por outros membros da família, mas as outras marcas, não.
Como é a relação entre vocês hoje?
Eu não tenho relação. Ele mora em uma cidade, eu em outra. Mas quero que ele se dê bem na vida. A gente não se fala nunca. Quero que ele vença – e consiga fazer metade do que eu fiz (risos)
Qual a diferença entre as escolas Gracie de jiu-jitsu?
Desde que eu me entendo por gente, meu pai ensina o jiu-jitsu com a finalidade de defesa pessoal, não para competição esportiva. Na Academia Gracie, este é o foco. Outras academias ensinam o jiu-jitsu para a competição esportiva.
Rorion Gracie pratica o salto de paraquedas (Foto: Arquivo Pessoal )
RORION GRACIE PRATICA O SALTO DE PARAQUEDAS (FOTO: ARQUIVO PESSOAL )
Você esteve por trás da criação de um método online de ensino de jiu-jitsu, criticado em alguns círculos do esporte. Royce [irmão de Rorion e o primeiro campeão do UFC] é um dos críticos. “Não condiz com os valores do esporte”, ele disse em entrevistas passadas.
As pessoas que criticam o programa, primeiro: não assistiram à aula, pois tem dois tutores dando a aula na internet. Quer dizer, falta de instrução precisa não existe. Dois: Você não vai ficar sentando assistindo o negócio acontecer. Você assiste e vai praticar. Três: a pessoa tem que aprender a fazer um movimento como um reflexo, sem parar para pensar. Se parar para descansar, ela não é aprovada. Agora, nem todo mundo tem a condição e a capacidade de fazer o que a gente fez. A pessoa que critica pode também estar um pouco enciumada do trabalho maravilhoso que a gente vem fazendo. Uma pessoa que não tinha acesso nenhum ao jiu-jitsu, não só tem acesso ao programa como o faz com muito carinho, com milhares de histórias de sucesso. O Royce, por exemplo, tá falando besteira, coitado. Junto comigo, quando a gente morava na Califórnia no começo, fizemos uma série de vídeos que foi um sucesso internacionalmente – e a gente nem tinha acesso ao aluno. O Royce sabe que eu adoro ele, mas deixa comigo que sei o que eu tô fazendo. Não é à toa que eu sou o Rorion Gracie (risos).
O jiu-jitsu é a luta brasileira por excelência?
O jiu-jitsu sem dúvida é uma bandeira de muito orgulho pro Brasil. A arte brasileira de luta é o jiu-jitsu, não há nem o que discutir. Quando o Brasil, anos atrás, foi escolhido como o país das Olimpíadas, falei com um amigo meu que é próximo do Comitê Olímpico: “É a oportunidade de ouro de incluir o jiu-jitsu nas Olimpíadas”. Mas infelizmente, no dia seguinte, escolheram o handball e o golfe [esportes que estreiam nas disputas olímpicas no Rio-16]. É uma realidade infeliz, do fato de que no Brasil, tudo é armação. Botar o golfe e o handball como esportes a serem introduzidos pelo Brasil nas Olimpíadas é a maior palhaçada que existe. Qual é a chance que o país tem nesses esportes? Nenhuma. Se o Brasil tivesse um time de jiu-jitsu não só teria muito mais condições de trazer medalhas para o país, mas também seria um esporte que ia representar o Brasil de maneira muito mais honesta lá fora. Hoje em dia, em qualquer lugar do mundo que você fala que faz jiu-jitsu brasileiro, a pessoa te trata de outra maneira. Se você bota o triângulo da Academia Gracie no seu carro, nos Estados Unidos você não leva multa. Os guardas te conhecem – “Ah, vai treinar? Manda um abraço pro Rorion!”
http://gq.globo.com/Corpo/Esportes/noti ... mesmo.html
Entrevista com o Mestre Rorion Gracie o responsável pela popularização e crescimento do BJJ no mundo
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