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Jiu Jitsu vs. Luta Livre
A luta livre esportiva, mais conhecida como luta livre, é um estilo brasileiro de luta de solo desenvolvido do catch wrestling. O catch wrestling, também conhecido como catch as catch can chegou ao Brasil pelo Rio de Janeiro no início do século 20 por imigrantes europeus, sendo repassado para os cascas grossas locais. No início de 1930, a luta livre se tornou num dos rivais dos Gracie do jiu jitsu, sendo a rivalidade entre Carlos Gracie e Manuel Rufino uma das mais faladas na época. Muitos também acreditam que uma das razões da separação de George Gracie de seus irmãos Carlos e Helio em meados dos anos 30 terá sido parcialmente devido ao seu envolvimento com a luta livre.
Em 1940, George Gracie lutou Euclydes Hatem, o famoso Mestre “Tatu” da luta livre que terá finalizado George, esse resultado faria subir a cotação da luta livre que se manteve como uma das grandes potências do vale tudo nacional durante as decadas de 1940, 1950 e 1960 com vários nomes de relevo, embora a animosidade para com o jiu jitsu não se tenha incendiado até o início de 1980.
A invasão Gracie a Academia Naja, 1982

Flavio Molina
A briga entre o jiu-jitsu e luta livre, na verdade, começou através do tae kwon do/muay thai (boxe tailandês). A história nos conta que tudo começou um pouco antes do carnaval de 1982. Mario Duma, um lutador de tae kwon do da academia Naja, teve uma discussão acalorada com Charles Gracie que terminou em em briga.
Charles voltou para casa e comentou o sucedido para o seu tio Rolls Gracie que não aceitou o que aconteceu de ânimo leve. Charles era um jovem garoto, e Mario (conhecido como Marinho) era um homem adulto. Isso enfureceu Rolls, a tal ponto que ele decidiu reunir alguns de seus alunos e marchar até a academia onde Duma treinava (Academia Naja) para acertar as contas. A Academia Naja era propriedade de Flávio Molina, um famoso lutador de tae kwon do, sendo também um dos pioneiros do muay thai no Brasil, que estava na época tentando aumentar a conscientização sobre esse estilo de luta thailandesa que ele tinha apenas começado a divulgar no Rio de Janeiro.
Uma vez que o contingente Gracie chegou na academia Naja, estaria decorrendo uma aula de crianças. Todas as mulheres e crianças foram levadas para fora enquanto Rolls saiu desafiando Marinho, luta vencida por Rolls. Diferentes histórias sairam após a invasão, enquanto o lado Gracie mencionou que Flavio Molina (treinador e cunhado do Mario) teria sido somente segurado enquanto Rolls batia em Duma, o lado de Molina mencionou que ele tinha sido covardemente agredido pelos alunos de Rolls. Independentemente de que lado estava a verdade, e embora Duma se tenha mudado para os EUA pouco depois e Rolls Gracie tenha falecido também alguns meses após o confronto, esta invasão não foi esquecida e um ano mais tarde, o grupo do boxe tailandês se encontraria no ringue com a academia Gracie.

Marco Ruas vs Fernando Pinduka (JJ vs Artes Marciais Challenge), 1983
Para resolver a rivalidade estabelecida entre a Academia Naja e a academia Gracie, Robson Gracie realizou um evento. onde três lutadores de cada estilo se enfrentariam. Haviam outras lutas no card, mas as relativas a esta disputa eram:
Renan Pitanguy (GJJ) vs Eugênio Tadeu (Naja)
Marcelo Behring (GJJ) vs Flavio Molina (Naja)
Fernando Pinduka (GJJ) vs Marco Ruas (Naja)
Marco RuasMarco Ruas treinava a sua trocação na Naja, mas ele também treinava chão com o pessoal da luta livre na Academia Santa Luzia com Fausto e Carlos Alberto Brunocilla, alunos diretos de Euclydes Hatem (mencionado acima). Foi Ruas quem levou Flavio Molina e Eugênio Tadeu até á luta livre a fim de ajudá-los com seu trabalho de solo em preparação para a luta, começando dessa forma uma relação duradoura entre muay thai e luta livre no Brasil.
A coligação funcionou bem contra o poderoso (e favorito) Jiu Jitsu, conseguindo um empate: Behring derrotou Molina por nocaute técnico, Eugênio Tadeu devolveu a gentileza contra Pitanguy, enquanto o jovem Marco Ruas levou o famoso Pinduka a um empate numa batalha épica. Isto não só causou uma mossa na reputação do Jiu Jitsu, mas também elevou o estatuto da união: luta livre/boxe tailandês.
Rickson Gracie vs Hugo Duarte na Praia do Pepê, 1988

Hugo Duarte
A animosidade continuou, apesar de mais pressionada pelo pessoal da luta livre que pelo lado de Molina e seu muay thai que permaneceu menos vocal/conflituoso. Um dos caras de cartaz da Luta Livre, Marco Ruas começou a ser mencionado como um sério candidato a lutar contra o grande campeão do jiu jitsu, Rickson Gracie. Rickson já tinha decidido neste ponto que se estaria se mudando para os Estados Unidos, mas não queria sair do Rio de Janeiro dando a ideia errada de que estaria fugindo de Ruas. Decidiu então ir na academia onde Ruas treinava para fazer o desafio oficial, e possivelmente lutar ali mesmo.
Rickson chegou na academia, enquanto decorria o treino da noite, acompanhado por seu pai, Helio Gracie, e seus amigos Sergio ‘Malibu’ e Marcelo Behring. Lá, ele se reuniu com Ruas e seus professores, desafiando o lutador para uma luta a portas fechadas, algo comum naqueles tempos. Ruas recusou tendo pedido quatro meses para se preparar, Rickson não aceitou, ele queria lutar mais cedo pois tinha planos de se mudar do Brasil. A discussão esquentou e em determinado ponto o patriarca Helio falou: “Talvez devêssemos fazer uma lista de pessoas que querem lutar contra Rickson”, Hugo Duarte, lutador da luta livre esportiva ouviu o comentário do mestre de jiu jitsu e disse: “você pode colocar meu nome nessa lista”.
A organização Gracie saiu da academia sem a luta que eles queriam, mas o desafio de Hugo Duarte chegou às ruas. A fofoca de rua levou Rickson Gracie a tomar uma posição, assim como já tinha feito aquando dos rumores sobre Marco Ruas anteriormente. Desta vez, Rickson não iria cometer o mesmo erro de antes e dar ao adversário a chance de lhe negar a luta. Duarte visitava regularmente a Praia do Pepê no Rio de Janeiro, daí que Rickson planejou de confrontar o homem da luta livre ali, publicamente, onde Duarte seria forçado a agir. Duas semanas mais tarde, Hugo foi desafiado na praia, numa manhã de sábado. Uma roda de pessoas se reuniu em torno dos dois lutadores e a porrada começou. A luta foi filmada pelo falecido Ryan Gracie, que tinha 12 anos de idade na época e que não conseguia furar a multidão de adultos para filmar a luta, daí a má qualidade do vídeo (abaixo). Após de alguns minutos de peleja Hugo Duarte ‘bateu’, desistindo devido a socos da montada.
Depois de terminado o combate, os dois lutadores se dirigiram ao mar para limpar as feridas, ali Hugo disse a Rickson que não estava satisfeito com o resultado, este sentimento levaria aos acontecimentos que se seguiram.
Luta Livre invade a Academia Gracie, 1988
Hugo Duarte ficou aborrecido com o resultado de sua luta com Rickson pois sentia que tinha sido apanhado desprevenido, a animosidade entre os dois estilos de luta brasileiros estava no auje. Como retaliação à briga na praia, a luta livre decidiu reunir um grupo de 60 a 70 homens , armados com facas e armas de fogo e invadir a academia Gracie. Rickson estava em casa no momento da invasão, mas foi alertado por amigos do perigo que se aproximava e correu na direção da academia. Quando a multidão da luta livre chegou ao local foi Helio Gracie que com 76 anos tomou controle da situação. Em relação ao episódio de Hugo Duarte falou pra Revista TATAME em 2009:
"Nós invadimos a Academia Gracie com uns 60 psicopatas, o Helio Gracie já devia ter mais de 80 anos e ele não só convenceu o Rickson a brigar comigo como entrou no meio da roda e controlou toda a situação. Foi uma das maiores demonstrações de macheza que já vi – Hugo Duarte
Ficou acordado que Rickson lutaria de novo com Hugo Duarte. Eugênio Tadeu, um dos amigos mais próximos de Flavio Molina que era então um forte instigador do lado da luta livre, pediu para lutar também. Sendo mais leve ele recebeu as opções de Rilion Gracie (considerado como o lutador mais técnico da família) ou Royler Gracie, Tadeu escolheu Royler."
A primeira luta foi rápida, Rickson levou alguns socos em pé, mas rapidamente segurou no clinch e levou Hugo para o chão, onde quase de imediato montou Duarte. Depois de alguns socos Hugo cedeu, a luta foi mais rápida do que a anterior e desta vez Duarte falou para Rickson aceitava o resultado. Quando Eugênio e Royler estavam se preparando para ‘brigar’ a polícia apareceu. Alguém teria disparado para o ar, numa tentativa de intimidar os Gracie o que tinha alertado as autoridades.
Poucos dias depois, Rickson Gracie apareceu na academia La Maison, para acertar as contas entre Royler e Tadeu. O desafio foi aceito. A luta durou 38 minutos e terminou em um empate, você poderá assistir a luta no fim dessa matéria, em baixo.
Luta Livre invade Copa Nastra (competição de Jiu Jitsu), 1991
Depois das confusões da década de 1980, o jiu-jitsu e luta livre viveram um período tenso, mas sem ocorrências de maior. O jiu jitsu continuou a prosperar enquanto luta livre, possivelmente sentindo um pouco de falta de orientação de seus rivais, estava começando a perder algum do impeto inicial. A richa poderia até ter acabado se não fosse pelos comentários incendiários de Wallid Ismail para o famoso jornal carioca “O Dia” em Abril de 1991, onde ele falou que luta livre seria apenas uma cópia do jiu jitsu.
Wallid era faixa marrom na época, não tendo ainda muita importância no panorama nacional do jiu jitsu, mas ele era um gênio na auto-promoção e terá usado a entrevista para dar uma levantada no perfil de lutador dele. Os seus comentários foram muito bem ouvidos pela equipe de luta livre que decidiu invadir a Copa Nastra de Jiu Jitsu, alguns dias mais tarde e mostrar a sua força. A Copa Nastra era organizada por Robson Gracie, que já presidia a Federação do Rio de Janeiro de Jiu Jitsu na época, tendo vários nomes de relevo do esporte nas arquibancadas (embora muitas das grandes figuras Gracie, tais como Rickson e Renzo já estivessem vivendo no exterior).
Desta vez seria Carlson Gracie quem tomaria o controle da situação, assim como seu tio Helio havia feito durante a invasão à academia Gracie. Para resolver a questão Carlson combinou que o jiu jitsu e a luta livre se enfrentariam num evento público, dando assim origem a um dos eventos mais famosos da história do vale tudo.
Desafio Jiu Jitsu vs Luta Livre, 1991
O Desafio Jiu Jitsu vs. Luta Livre gerou interesse da Rede Globo, devido à influência dos Gracie dentro da mídia. Ter em frente uma audiência abrangente criou ainda mais espectativas e fez crescer a importancia do evento. As lutas foram então escolhidas:
Wallid Ismail (representante jiu-jitsu) vs Eugênio Tadeu (representante luta livre)
Amaury Bitetti (representante jiu-jitsu) vs Marco Ruas (representante luta livre)
Fábio Gurgel (representante jiu-jitsu) vs Denílson Maia (representante luta livre)
Marcelo Behring (representante jiu-jitsu) vs Hugo Duarte (representante luta livre)
Murilo Bustamante (representante jiu-jitsu) vs Marcelo Mendes (representante luta livre)
Marco Ruas acabou não lutando por ter outros compromissos, e Marcelo Behring se machucou treinando, por essa razão só se realizaram 3 lutas. Todas as lutas foram vencidas pelo lado do Jiu Jitsu:
Wallid Ismail derrotou Tadeu: Tadeu não retornou ao ringues após ambos os lutadores caírem para fora.
Fábio Gurgel derrotou Denílson Maia: O juiz a encerrou o combate para evitar danos desnecessários ao atleta
Murilo Bustamante derrotou Marcelo Mendes: depois de um domínio completo de Bustamante, Mendes recusou-se a voltar aos ringues após cair pra fora.
O evento deu uma grande reforçada na popularidade do jiu jitsu que viu algumas de suas academias lotadas logo após o desafio. O mau ambiente entre os dois rivais acalmou um pouco depois do evento, no entanto, não desapareceu por completo.
Pentagon Combat - Renzo Gracie vs Eugênio Tadeu, 1997

Eugenio Tadeu
O Pentagon Combat foi um evento organizado por Nelson Monteiro, faixa preta de Carlos Gracie Junior, e patrocinado pelo famoso Sheik de Abu Dhabi, o Sheik Tahnoon que na época estava interessado em investir no vale tudo brasileiro. O Pentagon Combat teve uma produção de alto gabarito com alguns dos grandes nomes da época, como Murilo Bustamante, Ricardo Morais, Oleg Taktarov, Sean Alvarez (que era aluno de Nelson Monteiro), Marcelo Tigre e o evento principal, entre Renzo Gracie e Eugênio Tadeu, como que acordando uma rivalidade um pouco adormecida.
Renzo tinha um problema mal resolvido com a gangue da luta livre que vinha dos tempos da briga na Praia do Pepê, em 1988, onde ele e Marcelo Mendes da LLE teriam quase chegado a vias de fato. Ele estava ansioso para testar-se contra a luta livre, enquanto Tadeu queria outra chance de lutar com alguém com o status de Renzo, representante da família real dos artes marciais.
O clima no local estava extremamente volátil durante os momentos que antecederam o evento, com gangues se formando em volta da ‘cage’ de ambos os lados da fronteira, gritando ofensas uns para os outros. Todas as lutas ocorreram mais ou menos de acordo com o cronograma, mas os verdadeiros problemas foram acontecer durante o evento principal, quando um motim eclodiu entre luta livre e apoiadores jiu jitsu a meio da luta. As luzes foram apagadas para acalmar a multidão, mas em vão. Centenas de cadeiras foram jogadas, tiros foram disparados e algumas pessoas foram feridas. O motim chegou ao noticiário nacional no Brasil e até mesmo a emissora internacional de notícias CNN fez um segmento sobre o assunto.
A rixa teve repercussões dramáticas para vale tudo (o pai do MMA) no Brasil, que foi imediatamente banido no Rio de Janeiro, só sendo reinstituido recentemente. Terminado também qualquer das intenções do milionário Sheik em investir no esporte dentro do Brasil.
Veja os vídeos das lutas aqui: http://www.bjjheroes.com/pt-br/culto-ji ... luta-livre" onclick="window.open(this.href);return false;