A luta do Anderson por um leigo
Enviado: 03 Fev 2015 01:18
Anderson Silva: o exagero do feito revela o cansaço
Por Márvio dos Anjos
Prepara, Spider, que agora é hora.
Não sou fã de UFC e artes marciais mistas, mas as lutas não agridem minha sensibilidade. Acredito que a violência esportiva tem seu lugar no mundo, admiro atletas do boxe e creio que, quando há regras estabelecidas e lutadores bem-pagos, tudo certo.
Dito isso, afirmo que assisti à luta do retorno de Anderson Silva pelo que tinha de roteiro. Veterano, 39 anos, considerado o maior fenômeno do octógono, dono de um cartel impressionante e protagonista da mais impressionante fratura que já vi num combate, o médio* brasileiro retornava após um ano e pouco de agruras. Confesso que não vi no pay-per-view e, sim, na reprise com Galvão Bueno. Violência eu prefiro gratuita.
Fazia tempo que eu não via um UFC. É impressionante o esforço consciente de tornar um esporte sangrento em algo civilizado, consumível por famílias inteiras, mais afeito à catarse do sujeito de vida tranquila do que à adesão de arruaceiros hipertestosteronados. Não me lembro de nenhum duelo na noite em que os lutadores não tenham se cumprimentado depois, quase como amigos, no melhor estilo "o que acontece no octógono fica no octógono". E olhe que algumas disputas foram realmente boas ao olhar de um leigo. Menos, talvez a de Anderson Silva.
Muito porque seu adversário, o americano Nick Díaz, é um lutador de pouca técnica, baixa velocidade e muita fanfarronice sem estofo. Assumiu seu papel de sparring para a recondução de um grande, amaciou a mão do Spider diversas vezes em seu rosto e, razoavelmente cerverorizado, segurou sua derrota de pé.

No choro de Anderson Silva, não vi nada de insincero. Era direito dele se comover com seu retorno, depois de 398 dias de recuperação, treinos exaustivos, adequação de peso e aquele temor que qualquer um - qualquer um - tem de colocar a canela quebrada de novo para jogo. O que me incomodou foi a declaração depois.
"Eu não sei o que dizer. Obrigado, Deus, por me dar mais uma chance. Obrigado aos meus amigos e à minha família. Esse momento é muito importante para mim, para toda a minha família e para todos os brasileiros. Queria agradecer a todos vocês que estiveram aqui, a todos os brasileiros."

Esqueça que o MMA é um esporte controverso - e que, para certa ala da torcida e do jornalismo, com a qual não concordo, nem deveria ser chamado de esporte. Aceitemos que o Brasil que ama Anderson Silva é numericamente relevante, quantificado em dezenas de milhões, um Brasil dentro do Brasil. Ainda assim, a frase de Spider dói nos ouvidos, por tudo que ela pretende enfeitar da realidade: Nick Díaz nunca teve chance.
Não é o Chris Weidmann que o derrotou duas vezes, não é sequer Chael Sonnen, que o colocou em real situação de perigo num dos dois combates que fizeram. Foi uma teta, uma vitória de 1 a 0 na estreia do Estadual.
Campeões carismáticos são uma sorte, mas é possível construir um discurso convincente sem ter sido agraciado pelo carisma natural de, por exemplo, Romário. Ajuda muito olhar seus feitos com honestidade, sem inflá-los de forma desmedida - perceba as diferenças entre Zico e Vanderlei Luxemburgo. Nessa, Spider falhou miseravelmente.
O que Anderson Silva disse ao fim da luta não foi sequer uma bravata, habitual num esporte que precisa das fanfarronices e de personagens carismáticos. Foi a hipervalorização de um feito normal, o melhor vencendo o bem pior de forma não exatamente brilhante, mas correta, tentando transformar isso numa culminação heroica e nacional - talvez para não ter que se arriscar mais vezes. E ressalto: não vejo medo, vejo cansaço, aos 39 anos bem malhados.
O pedido de aposentadoria, feito pelo filho Kalyl, soa propício. Minha sensação é que Anderson não quer mais brincar no octógono. Certamente não por 14 vezes, como reza seu contrato recentemente renovado.
* Correção: o blogueiro ainda estava no fuso horário de Las Vegas quando escreveu equivocadamente que Anderson Silva era meio-pesado. Não precisa bater.
http://globoesporte.globo.com/blogs/esp ... nsaco.html" onclick="window.open(this.href);return false;
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Para quem não conhece, Márvio é um jornalista carioca muito querido no meio. Inteligente nos pitacos no futebol, sempre rende boas crônicas. Ele é diretor do jornal Destak, marca sempre presença no Tá Na Área e possui uma banda bem legal aqui que toca pelos bares indies do Rio. Fiz esse breve histórico para elucidar que ele fala como um leigo, um geração Globo que assiste pelo hype (que gera interesse), como muitos daqui gostam de depreciar - como se isso fosse ruim pro esporte. Achei sincera e imparcial (por ser leigo) a crônica da percepção dele sobre a luta, sem fanzisse - nem a favor, nem contra. Twitter dele é interessante também, @Marvio.
PS: relevem o que o cara diz sobre o Diaz. Ele não tem noção de quem é o cara ou do estilo lango lango dele.
Por Márvio dos Anjos
Prepara, Spider, que agora é hora.
Não sou fã de UFC e artes marciais mistas, mas as lutas não agridem minha sensibilidade. Acredito que a violência esportiva tem seu lugar no mundo, admiro atletas do boxe e creio que, quando há regras estabelecidas e lutadores bem-pagos, tudo certo.
Dito isso, afirmo que assisti à luta do retorno de Anderson Silva pelo que tinha de roteiro. Veterano, 39 anos, considerado o maior fenômeno do octógono, dono de um cartel impressionante e protagonista da mais impressionante fratura que já vi num combate, o médio* brasileiro retornava após um ano e pouco de agruras. Confesso que não vi no pay-per-view e, sim, na reprise com Galvão Bueno. Violência eu prefiro gratuita.
Fazia tempo que eu não via um UFC. É impressionante o esforço consciente de tornar um esporte sangrento em algo civilizado, consumível por famílias inteiras, mais afeito à catarse do sujeito de vida tranquila do que à adesão de arruaceiros hipertestosteronados. Não me lembro de nenhum duelo na noite em que os lutadores não tenham se cumprimentado depois, quase como amigos, no melhor estilo "o que acontece no octógono fica no octógono". E olhe que algumas disputas foram realmente boas ao olhar de um leigo. Menos, talvez a de Anderson Silva.
Muito porque seu adversário, o americano Nick Díaz, é um lutador de pouca técnica, baixa velocidade e muita fanfarronice sem estofo. Assumiu seu papel de sparring para a recondução de um grande, amaciou a mão do Spider diversas vezes em seu rosto e, razoavelmente cerverorizado, segurou sua derrota de pé.

No choro de Anderson Silva, não vi nada de insincero. Era direito dele se comover com seu retorno, depois de 398 dias de recuperação, treinos exaustivos, adequação de peso e aquele temor que qualquer um - qualquer um - tem de colocar a canela quebrada de novo para jogo. O que me incomodou foi a declaração depois.
"Eu não sei o que dizer. Obrigado, Deus, por me dar mais uma chance. Obrigado aos meus amigos e à minha família. Esse momento é muito importante para mim, para toda a minha família e para todos os brasileiros. Queria agradecer a todos vocês que estiveram aqui, a todos os brasileiros."

Esqueça que o MMA é um esporte controverso - e que, para certa ala da torcida e do jornalismo, com a qual não concordo, nem deveria ser chamado de esporte. Aceitemos que o Brasil que ama Anderson Silva é numericamente relevante, quantificado em dezenas de milhões, um Brasil dentro do Brasil. Ainda assim, a frase de Spider dói nos ouvidos, por tudo que ela pretende enfeitar da realidade: Nick Díaz nunca teve chance.
Não é o Chris Weidmann que o derrotou duas vezes, não é sequer Chael Sonnen, que o colocou em real situação de perigo num dos dois combates que fizeram. Foi uma teta, uma vitória de 1 a 0 na estreia do Estadual.
Campeões carismáticos são uma sorte, mas é possível construir um discurso convincente sem ter sido agraciado pelo carisma natural de, por exemplo, Romário. Ajuda muito olhar seus feitos com honestidade, sem inflá-los de forma desmedida - perceba as diferenças entre Zico e Vanderlei Luxemburgo. Nessa, Spider falhou miseravelmente.
O que Anderson Silva disse ao fim da luta não foi sequer uma bravata, habitual num esporte que precisa das fanfarronices e de personagens carismáticos. Foi a hipervalorização de um feito normal, o melhor vencendo o bem pior de forma não exatamente brilhante, mas correta, tentando transformar isso numa culminação heroica e nacional - talvez para não ter que se arriscar mais vezes. E ressalto: não vejo medo, vejo cansaço, aos 39 anos bem malhados.
O pedido de aposentadoria, feito pelo filho Kalyl, soa propício. Minha sensação é que Anderson não quer mais brincar no octógono. Certamente não por 14 vezes, como reza seu contrato recentemente renovado.
* Correção: o blogueiro ainda estava no fuso horário de Las Vegas quando escreveu equivocadamente que Anderson Silva era meio-pesado. Não precisa bater.
http://globoesporte.globo.com/blogs/esp ... nsaco.html" onclick="window.open(this.href);return false;
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Para quem não conhece, Márvio é um jornalista carioca muito querido no meio. Inteligente nos pitacos no futebol, sempre rende boas crônicas. Ele é diretor do jornal Destak, marca sempre presença no Tá Na Área e possui uma banda bem legal aqui que toca pelos bares indies do Rio. Fiz esse breve histórico para elucidar que ele fala como um leigo, um geração Globo que assiste pelo hype (que gera interesse), como muitos daqui gostam de depreciar - como se isso fosse ruim pro esporte. Achei sincera e imparcial (por ser leigo) a crônica da percepção dele sobre a luta, sem fanzisse - nem a favor, nem contra. Twitter dele é interessante também, @Marvio.
PS: relevem o que o cara diz sobre o Diaz. Ele não tem noção de quem é o cara ou do estilo lango lango dele.