Tannure fala sobre conflito de interesses
Enviado: 04 Mar 2015 20:55
Tannure, sobre conflito de interesses: "Se houve, foi bom para o esporte"
Diretor médico da CABMMA põe cargo à disposição de quem provar que ainda atende lutadores do UFC e nega envolvimento com doping do Spider: "Nunca tive um caso"
O consultório do Dr. Márcio Tannure, diretor médico da Comissão Atlética Brasileira de MMA (CABMMA), é decorado com souvenirs de seu envolvimento de mais de uma década com o esporte. Médico do Clube de Regatas do Flamengo há 13 anos, com passagens pela Seleção Brasileira de futebol e trabalho com atletas olímpicos como o jogador de vôlei de praia Emanuel, Tannure tem camisas autografadas por Zico e Pelé, chuteiras e luvas assinadas por Léo Moura e Paulo Victor. O escritório também tem referências ao MMA, esporte que acompanha de perto há 10 anos: um cinturão do UFC emoldurado no topo da estante, luvas de luta autografadas por lutadores como Renan Barão, Junior Cigano e Rodrigo Minotauro, e uma camisa assinada por Anderson Silva.
Foi seu trabalho como médico de lutadores como Anderson Silva, Vitor Belfort e Minotauro que abriu as portas do UFC para Tannure, quando a organização retornou ao Brasil pela primeira vez em mais de uma década, em 2011. Sem agência regulatória local, a organização precisava de um médico para trabalhar em seus eventos, e Tannure foi indicado. A partir daí, atuou em todos os eventos da companhia no país, e deu os primeiros passos para a fundação da CABMMA, que passou a supervisionar os torneios do Ultimate em 2013 e trouxe um novo padrão de controle regulatório, inspirado nas comissões atléticas estaduais americanas, para o MMA nacional.
A posição de diretor médico da nova entidade, porém, levantou uma polêmica: poderia o responsável por exames e testes antidoping de uma agência regulatória independente atender os lutadores que deveria regular? Em 2013, o foco dessa polêmica era Belfort, que lutou três vezes no Brasil naquele ano; agora, é Anderson Silva, flagrado com substâncias proibidas em seu organismo em sua última luta, em janeiro, em Las Vegas. Incomodado com as acusações, o Dr. Márcio Tannure decidiu abrir o jogo sobre suas relações com os atletas e garantiu ao Combate.com que, por opção própria, parou de atender lutadores de MMA justamente em 2013. Foi além: colocou seu cargo na entidade à disposição de quem pudesse provar que ainda tem atletas do Ultimate entre seus pacientes. Por outro lado, afirmou que, se entrou em conflito de interesse no início de seu trabalho com o UFC, o fez em benefício de uma evolução para o MMA.
- Quando eu entrei na comissão atlética, por opção minha, eu deixei de atender atletas, porque eu sabia que isso ia surgir. Quero deixar isso público, bem claro, que hoje, se alguém provar que tem algum atleta do UFC que eu trato, eu largo meu cargo na comissão no mesmo dia. Isso tem que ficar bem claro ao público, quero reforçar e deixar bem frisado, para acabar com essa história de conflito de interesse. Se houve em algum momento conflito de interesse, foi bom para o esporte. Hoje, se alguém provar que tem algum atleta do UFC que eu trato, eu largo meu cargo na comissão no mesmo momento - exclamou Dr. Márcio Tannure.
Confira a primeira parte da entrevista:
COMBATE.COM: Como começou sua relação com o MMA?
Márcio Tannure: No MMA, já trabalho em torno de 10 anos. Eu comecei trabalhando com atletas. Tudo começou na minha relação com o MMA quando a gente inaugurou a Black House no Brasil, que hoje em dia nem existe mais, virou XGym. Isso foi em 2005. Eu era médico pessoal do Joinha, tratava vários alunos do Rogério Camões, e principalmente o Joinha conversou comigo, me disse que esse trabalho de suplementação e performance é muito feito nos Estados Unidos, que tinha essa experiência lá também, e aqui a gente não tem isso. Ele me fez o convite e eu comecei a ser o médico da Black House. A gente começou a fazer um bom trabalho e, com isso, virou referência no meio dos atletas, no meio do esporte, desde aquela época.
Hoje, as pessoas falam dessa coisa do conflito de interesse, que não existe mais. Quando eu entrei na comissão atlética, por opção minha, eu deixei de atender atletas, porque eu sabia que isso ia surgir. Quero deixar isso público, bem claro, que hoje, se alguém provar que tem algum atleta do UFC que eu trato, eu largo meu cargo na comissão no mesmo dia. Isso tem que ficar bem claro ao público, quero reforçar e deixar bem frisado, para acabar com essa história de conflito de interesse. Se houve em algum momento conflito de interesse, foi bom para o esporte. Hoje, se alguém provar que tem algum atleta do UFC que eu trato, eu largo meu cargo na comissão no mesmo momento. Fui eu mesmo que escolhi parar de atendê-los quando começou a comissão atlética, que eu fui um dos fundadores. Se existe esse conflito de interesse hoje, é porque eu quis fazer esse trabalho na comissão atlética, que não existia, em função da melhora dos atletas, da preocupação com a saúde dos atletas, porque não existia - posso afirmar - exame antidoping em evento nacional nenhum, não existia exame nem de sangue. Eu já tratava atletas antes, então já sabia da vida deles, já sabia o que eles passavam, e aí veio essa necessidade de criar algo que o maior interessado e o maior beneficiado é a saúde do atleta.
Hoje, as pessoas fazem de uma maneira que parece que eu tenha que negar que atendi alguns atletas, o que, para mim, é o maior motivo de orgulho, porque tratei vários atletas como médico do esporte, como Minotauro, Vitor Belfort, Minotouro, Pedro Rizzo, Erick Silva, Feijão, Paulão, Babalu. Peguei eles no início e todos esses atletas com que eu trabalhei, eu tenho uma relação de respeito, de admiração e de amizade, e eles têm por mim. Vocês podem perguntar a todos eles. Não é por que hoje eu tenho uma relação de amizade com um atleta que isso é um conflito de interesse. Eu não posso mais tratá-los como eu tratava. Muitos deles, quando eu tomei essa decisão e conversei com eles, ficaram chateados, mas, por essa relação de admiração e respeito por mim, todos entenderam essa minha atitude e o por quê disso, que era pela criação da comissão atlética, e isso era uma coisa que ia se reverter pelos atletas. Hoje eu realmente não atendo mais nenhum, foi uma coisa que eu tive que abrir mão. Foi uma escolha minha, não foi imposição da comissão ou do UFC. No início, eu trabalhava para o UFC quando vinha ao Brasil porque nem existia comissão atlética, então primeiro trabalhei para o UFC porque, quando o UFC chegou aqui, pediu informação de algum médico que tivesse experiência com luta, que tivesse experiência com esporte, e meu nome foi indicado porque eu já trabalhava com isso há algum tempo, e depois, quando teve a ideia da criação da comissão atlética, eu fui convidado para ser o diretor médico. Por isso as pessoas confundem, porque a coisa é confusa e é tudo muito novo. No Brasil, a comissão atlética tem dois anos; nos EUA, elas têm 30. Realmente é confuso, eu entendo quem está de fora, porque é tudo muito novo, e essa sequência ficou meio confusa.
Quando começou a trabalhar com o UFC?
Desde o primeiro evento. Eu fui o médico no evento aqui em 2011. Ou seja, em todos os eventos do UFC aqui no Brasil eu fui o médico responsável. No início, o médico do UFC, o Jeff Davidson, também vinha e acompanhava, mas já não vem mais depois que foi criada a comissão atlética. A comissão atlética só começou a regulamentar os eventos a partir de 2013. Então, até 2013, eu trabalhava teoricamente para o UFC, porque não existia comissão atlética. O primeiro evento que foi todo regulamentado pela comissão atlética foi o segundo de 2013, que, não me lembro, acho que foi Jaraguá do Sul ("UFC: Belfort x Rockhold", em maio). O primeiro evento de 2013, que foi em São Paulo, a comissão atuou como sombra; já estava lá, mas a comissão da Inglaterra, que vinha junto com o UFC, acompanhou, já estava acompanhando os eventos, e, a partir desse evento, já foi tudo realizado pela comissão brasileira, inclusive a parte de doping.
Quando você tomou a decisão de parar de atender os lutadores?
Quando a comissão começou a trabalhar realmente. No início, a gente estava montando a comissão, eu sou um dos responsáveis por isso, principalmente na parte médica. A questão de dopagem, de suspensão médica, de exame médico, nada disso existia no Brasil. Se houve algum conflito de interesse, foi um conflito de interesse bom para o esporte. E aí, quando começou, no início, era uma coisa nova para mim também, não sabia que ia ser um conflito de interesse ou não. Quando eu ouvi o primeiro comentário sobre isso, eu falei, "É o momento de decidir: ou eu sigo com a comissão atlética e sigo nisso, ou sigo tratando meus atletas." Eu gostava das duas coisas, me davam prazer, mas eu queria naquele momento deixar esse legado para o esporte, que acho importante. Eu já tinha feito minha participação com os atletas também, o que sempre me deu prazer e me orgulho disso. Quem não se orgulharia, por exemplo, de ter trabalhado com o Minotauro na época em que ele foi campeão do Pride e do UFC, as 11 defesas de cinturão do Anderson, trabalhado com o Vitor, isso para mim não é motivo de vergonha, não. É motivo de orgulho. Não tenho que negar, pelo contrário. Mas agora, o que eu falo e repito: hoje, se alguém provar que tem algum atleta do UFC que eu trato, eu largo o meu cargo na hora. Quero acabar com isso de uma vez por todas. Mas também, se alguém acusar isso e não provar, vai ter que provar isso judicialmente. Isso é uma coisa que eu quero deixar bem clara.
Hoje você é pago pela Comissão Atlética Brasileira?
Eu faço parte da comissão atlética, e isso é um trabalho que nem é remunerado ainda. Isso é uma coisa que as pessoas acham de fora, que a comissão atlética está ganhando dinheiro, mas eu nem sou remunerado. Quando eu trabalhava com os atletas também não era. Para mim isso não é novidade. Quando a gente trabalha com esporte, a gente sabe que não é pela questão financeira. Você pode perguntar para todos os atletas que eu trabalhei, nunca cobrei um centavo de nenhum deles. Foi sempre uma questão de respeito, de admiração mútua. E hoje, pela comissão atlética, eu também não recebo, mas eu quero deixar esse legado para o esporte. Acho que já estou deixando meu nome na história, acho que sou um agente de mudança. Toda pessoa que é um agente de mudança sofre isso que estou sofrendo agora, esse tipo de cobrança, de pancada, mas eu sabia que isso ia acontecer, porque nós estamos tentando implementar regras que beneficiem o atleta, e nem sempre isso é bom para todos. Isso é bom para o esporte, com certeza, mas tem algumas pessoas que estavam numa situação confortável e talvez isso esteja tirando elas dessa situação. Mas com certeza, no futuro, isso vai ser muito bom para o esporte. Tenho certeza que meu nome vai ficar marcado no esporte para o lado bom.
Eu tenho sofrido, porque as pessoas, a imprensa principalmente, fazem algumas insinuações às vezes sem saber da sua história e do seu caráter. Por exemplo agora, como aconteceu com o Anderson, as pessoas tentando induzir que eu tinha alguma coisa a ver com isso. Eu trabalho no Flamengo há 13 anos, só no Flamengo eu já participei de mais de 2.000 exames antidoping, porque o único esporte aqui no Brasil que em toda partida tem exame antidoping feito pela Wada (Agência Mundial Antidoping) é o futebol. Nunca tive um caso. Nesses oito anos que trabalhei com esses atletas (de MMA), eram atletas que eram testados, atletas campeões, e nunca tive um caso. Na Seleção Brasileira, todos os jogos, todos os atletas eram testados, participei de dois Mundiais Sub-20, de Pré-Olímpico com aquela geração do Neymar, e nunca tive um problema, então não sei por que agora teve um problema e as pessoas estão relacionando isso a mim como se eu fosse um médico que... Acho que, se as pessoas pegassem meu passado - mesma coisa com o Anderson - acho que não bate muito.
Óbvio que estou sentindo isso, tem me chateado bastante. Por isso que quero deixar isso bem claro. Isso te chateia, interfere na sua vida pessoal e profissional, porque as pessoas não têm o menor cuidado com isso, de expor o seu caráter, a sua índole, a sua história. A maioria das pessoas nem sabe por que eu estou aqui. Deveriam estudar isso antes, deveriam perguntar o que aconteceu antes, deveriam saber quem você é antes de fazer qualquer suposição ou qualquer crítica, mas infelizmente eu sabia que isso era uma coisa que a pessoa que está na posição que eu estou está passível que aconteça. A gente tem que estar preparado para receber isso. Tenho um propósito no esporte e vou continuar caminhando em frente.
Se arrepende de não ter pontuado melhor que rompeu com os atletas?
Não é questão de me arrepender. Foi tudo tão rápido que realmente não teve isso e ficou confuso para muitas pessoas. Mas, se vocês forem pegar a história pregressa, em 2013 tem uma entrevista que fiz para o Combate deixando bem claro que, a partir daquele momento, em função da comissão atlética, do rumo que estava indo, (eu deixaria de atender os atletas). Deixei bem claro que, a partir daquele momento, por decisão minha, (não atenderia mais). Mas eu acho que isso poderia ter ficado mais claro sim, mas ficou confuso porque o processo foi muito rápido, a coisa tomou uma proporção muito grande e eu entendo, por mais que eu fique chateado, porque acho que algumas coisas são injustas e as pessoas tinham que enaltecer o trabalho que eu vinha fazendo no esporte, ao invés de querer achar um culpado para alguma coisa, criar que tem algum conflito de interesse. Acho que a coisa poderia ter sido mais bem explicada, de repente até por vocês mesmos. Antes de questionar, ou criticar, ou fazer uma suposta acusação, perguntar e entender esse processo.
Você disse na época que não atendia mais, mas prestava consultoria agora aos atletas. Como a consultoria difere do trabalho de médico, de atendimento?
Vocês têm que entender que eu, como diretor médico da comissão atlética, obrigatoriamente tenho contato com todos os atletas. Como funciona isso? Tem atleta que me pergunta, "Doutor, isso aqui foi prescrito para mim, é doping?" Eu, como minha obrigação, tenho que falar, "É, isso não é permitido", ou "Isso é permitido". A gente está aqui para ajudar e explicar ao atleta. Ou o que você tem que fazer de exame, é esse, esse e esse... Essa é uma das minhas obrigações: esclarecer. Por exemplo, um atleta, quando tem uma lesão, eu tenho que vê-lo de novo para liberá-lo ou não. Então, vou continuar tendo contato com atleta. Não faço mais esse tratamento de performance que eu fazia, mas é impossível um diretor médico não ter contato com atleta na parte médica! Quando um atleta se machuca, por exemplo, sou eu que o examino e encaminho. Isso é uma coisa que não tem conflito de interesse nenhum, pelo contrário, é uma das minhas obrigações como diretor médico da comissão atlética. Esse que é o tipo de consultoria que você está falando. Se algum atleta me perguntar, fizer algum tipo de questionamento, eu tenho obrigação de responder. A gente está aqui para isso, para esclarecer e ajudar.
Em 2013, o Anderson Silva apresentou sua equipe para sua primeira luta contra o Chris Weidman, e te apresentou como médico da equipe. Você era realmente médico da equipe, ou foi mal colocado?
Eu me lembro muito bem, ele não me apresentou como médico da equipe. Mas o Anderson é meu amigo pessoal, eu não nego para ninguém, pelo contrário, isso para mim não é vergonha. É um cara por quem tenho uma admiração muito grande, como o Minotauro é meu amigo, o Vitor é meu amigo - todas as pessoas, todos os atletas que eu trabalhei são meus amigos hoje. E isso vocês têm que diferenciar, entre você ser amigo da pessoa que você conviveu por vários anos, e ter um conflito de interesse. Óbvio que a gente tem um carinho e um respeito; apesar de eu não tratá-lo mais, sou amigo dele. Nessa última luta, por exemplo, eu fui vê-lo. Participei de todo esse processo desde que ele fraturou a perna. Nisso sim, participei como médico ortopedista dele aqui, porque não tem o menor conflito de interesse, porque estive na cirurgia dele lá, então tinha contato com o médico que o operou lá, ele fazia o exame aqui e eu era o canal para enviar o exame para o médico de lá, para avaliar e vice-versa, a gente trabalhou nisso. Eu fui lá (à luta contra Nick Diaz) como um fã de uma pessoa que eu admiro.
Não participei do camp dele, cheguei na véspera da luta, porque estava trabalhando aqui, cheguei na sexta-feira, e voltei no sábado depois da luta. Fui única e exclusivamente para ver a luta, como um amigo próximo, que vivenciou tudo. Ele até deu uma entrevista, eu lembro muito bem disso, foi algo que realmente aconteceu, (dizendo) que "o Dr. Tannure, nesse período da minha fratura, foi muito mais psicólogo do que médico", porque ele passou por momentos de altos e baixos. Sempre tentei, como amigo, conversar com ele, dizer que vai ficar bem, sua perna vai ficar boa, vai conseguir voltar, porque, a todo momento, ele dizia, "Doutor, não vou conseguir voltar, não vou conseguir voltar às minhas atividades." Fui uma pessoa que estimulei muito; me sinto, nesse sentido, até um dos responsáveis pela volta dele, porque em muitos momentos ele estava bem desanimado e, em todos esses momentos, eu, como amigo pessoal dele, como fã, como fã do esporte, dizia, "Você vai conseguir se você quiser". A gente estava acompanhando, foi uma lesão muito grave.
Não vejo conflito de interesse nisso nenhum. O que poderia haver de conflito de interesse, por exemplo, e que tenho o maior cuidado com isso: aconteceu agora um exemplo disso em Porto Alegre. Teve uma situação que todos sabem, entre mim e o atleta Antônio Silva (Pezão), que já está superado, mas, para não haver nenhum conflito de interesse e o próprio atleta não se sentir constrangido, a gente tem uma escala entre os médicos que fazem as lutas, que avaliam, e eu não fiz a luta dele. Se de repente houver uma interrupção médica, por exemplo, e de repente eu parar a luta, não ficar aquela coisa de "Será?" Então, vamos dizer assim: por eu ser amigo pessoal do Anderson, e eu não nego, pelo contrário, como fiz vários amigos, mas eu sei diferenciar isso muito bem; se o Anderson lutasse aqui no Brasil, provavelmente não seria eu que faria a luta dele, para não haver qualquer conflito de interesse, isso sim, acho que deveria acontecer, como já aconteceu.
Qual a diferença entre ser médico do atleta e atuar como ortopedista?
A diferença é que, se você trata algo de performance, as pessoas poderiam falar que sou eu mesmo que faço a questão do doping, da regulamentação. Eu que te pergunto: ajudando na recuperação da perna dele, qual o conflito de interesse? Se eu faço essa parte de suplementação de performance, a pessoa pode até falar que o cara deixou ele mais forte que o outro, que usou algo que não testou no doping, que poderia acontecer. No caso de fratura, qual o conflito de interesse de ajudar na fratura? Não fui eu que o operei. Sou um médico em que ele confia, fazendo os exames aqui e enviando para lá. Qual o conflito de interesse? Isso geraria aumento na performance dele? Isso deixaria ele chutando mais forte que o outro? Ele lutou lá, onde não tenho interferência nenhuma. Qual seria o conflito de interesse? Qual a gerência que eu teria sobre isso?
Poderia ter informação privilegiada de exames e substâncias...
Se ele lutasse no Brasil, vocês poderiam alegar isso, com certeza. Mas eu tendo essas informações que você falou, que nem tive, mas com ele lutando em Nevada, qual a interferência que poderia ter nisso? Qual seria o conflito de interesse? Aqui sim, mas ele lutando lá? Vocês estão querendo criar uma situação que não é verdadeira. Você que tem que me dizer no que eu tratar a perna dele é um conflito de interesse. Se fosse a outra questão, claro que teria conflito de interesse. Você poderia falar que eu estava passando algo para ele, que não está sendo testado, que sou responsável pelo doping. Mas eu atrás da fratura dele... Foi outro médico que o operou. Mas, como médico de confiança e amigo, ele me ligava perguntando o que estava bom e o que não estava. Que diferença isso faz? São coisas que preciso deixar claras aqui para as pessoas entenderem que você ter relação com o atleta e ter conflito de interesse é diferente. Se alguém provar hoje que tem algum atleta do UFC que eu trato, eu largo meu cargo na comissão no mesmo dia. Agora, se alguém falar, vai ter que provar judicialmente.
Se a luta fosse no Brasil, você teria abdicado dessa função de ortopedista?
Eu teria feito da mesma maneira que fiz na luta do Antônio Silva. Não teria participado da luta dele, não seria o médico que o examinou, exatamente para não ter nenhum questionamento. Hoje o antidoping que fazemos aqui é feito em UCLA, considerado laboratório padrão ouro dos EUA, onde não tenho gerência nenhuma, só para ficar bem claro. Estamos nos aproximando da ABCD (Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem), órgão governamental. No segundo semestre, vão abrir um laboratório aqui no Brasil de novo, creditado pela Wada. Temos a vontade de fazer isso com a ABCD e aí mais ainda que não vou ter gerência sobre isso. Pode ter certeza.
Saiu na imprensa que você estaria contribuindo com a defesa do Anderson Silva, listando as medicações que ele teria usado. É verdade?
Eu não vi essa matéria e nunca falei isso. Te desminto de antemão. Nunca disse isso. Não estou participando diretamente, mas óbvio que, como amigo, ele me ligou, falamos algumas coisas, até para entender o que aconteceu. Perguntei se ele usou algo, para saber, ajudar, mas ele está com o médico dele, o advogado, estão tentando ver o histórico do que ele usou nas internações. Ele foi internado aqui no Brasil também, foi medicado aqui também, mas em nenhum momento falei que eu estava fazendo isso (de listar as substâncias). Não estou e nem fiz em momento nenhum. Nem sei o que eles vão alegar. Foi uma surpresa para mim. Trabalhei oito anos com o Anderson e isso nunca aconteceu durante esse período. Nunca usou nada ilícito, ilegal, nunca quis, nem me questionou da possibilidade de usar alguma coisa. O perfil dele nem é compatível com esse nível de suposta acusação. Mas o que aconteceu agora, não sei. Fico de certa maneira triste pela pessoa que é, pela amizade que tenho, mas, como não posso mais tratá-lo, não sei o que aconteceu. Acredito até que, se ainda fosse meu paciente, isso não teria acontecido, como nunca aconteceu em oito anos. Mas infelizmente, hoje, por essa questão, todos entenderam que eu não poderia tratar mais deles, sabiam que estava fazendo algo para o esporte, que eles nem pegariam muito, mas as futuras gerações se beneficiariam disso. Para eles foi ruim, tinham confiança no médico, mas sabiam o processo que eu vinha vivendo e, por essa amizade, respeito e admiração mútua, todos entenderam e me apoiaram integralmente na decisão. Não teve desgaste.
Pensa em deixar de atuar até mesmo como ortopedista dos atletas para evitar desgaste?
São coisas bem distintas. As pessoas querem achar um culpado e tenho certeza que, quando ele (Anderson) falar, tudo vai ser explicado. Essa questão está sendo muito mais por eu ser amigo dele do que por ter sido ortopedista. Eu não vou deixar de ter um relacionamento com pessoas queridas por mim, que têm meu respeito, admiração, por estar sendo julgado por isso. Não vou deixar de ter relação com as pessoas que gosto e admiro. Mas sou profissional e não vou deixar que isso interfira profissionalmente nessas questões. Uma vez que interfira profissionalmente, óbvio que vou ter que fazer uma escolha, mas, no meu modo de ver, não interfere em nada. Interferiu na minha decisão de parar de tratá-lo por ser da comissão atlética, mas não preciso parar de falar com ele. Por ser amigo, pode ser que não atenda na luta se ele vier lutar no Brasil. (Continuaria como ortopedista) Tranquilamente. Não tem conflito de interesse. Não tem problema nenhum.
Tem essa relação com outros atletas?
Tenho. Todo atleta que se lesiona, tenho que ver. O Cigano, depois da lesão dele, esteve aqui. Suspeitamos de lesão de (ligamento) cruzado, fez exame, foi confirmado, foi no médico dele. O Jacaré, quando foi operado, eu soube, acompanhei. Tenho que ter isso e passar esse feedback para o UFC. Não participei da cirurgia, mas participo de tudo, nesse sentido das lesões ortopédicas, ativamente. Quando o Minotauro foi operado, esteve aqui, eu o vi, a gente diagnosticou uma lesão de ligamento cruzado, foi encaminhado para o médico especialista. Não sou eu que vou operar, mas examinar os atletas é obrigação minha. Não opero justamente para não ter conflito de interesse. O Minotauro, que é meu amigo pessoal, veio aqui, vi que tinha que operar, ele perguntou em quem eu confiava. Isso não tem problema nenhum. Mesma coisa com o Cigano. Falou que tinha um médico que já tinha o operado em São Paulo, então falei para ele fazer em São Paulo com o médico que ele confiava.
O que achou das críticas do Pezão, atribuindo a culpa do caso do Anderson Silva a ele?
Isso aí, o que tinha pra falar já foi dito naquela época, já gerou muito desgaste. Isso já é página virada para mim e para ele também. Não tenho o menor rancor, mágoa, desejo sucesso para ele e continuo desejando. O que tinha para ser dito, já foi dito e esclarecido, pelo menos da minha parte. Não gostaria de voltar a esse assunto, que para mim já morreu. Bola pra frente. Não tenho a menor mágoa. Torço por ele e para todos os brasileiros. Vou torcer para ele também com certeza.
A segunda parte da entrevista com o Dr. Márcio Tannure vai ao ar na quinta-feira.
Fonte: http://sportv.globo.com/site/combate/no ... porte.html" onclick="window.open(this.href);return false;
Diretor médico da CABMMA põe cargo à disposição de quem provar que ainda atende lutadores do UFC e nega envolvimento com doping do Spider: "Nunca tive um caso"
O consultório do Dr. Márcio Tannure, diretor médico da Comissão Atlética Brasileira de MMA (CABMMA), é decorado com souvenirs de seu envolvimento de mais de uma década com o esporte. Médico do Clube de Regatas do Flamengo há 13 anos, com passagens pela Seleção Brasileira de futebol e trabalho com atletas olímpicos como o jogador de vôlei de praia Emanuel, Tannure tem camisas autografadas por Zico e Pelé, chuteiras e luvas assinadas por Léo Moura e Paulo Victor. O escritório também tem referências ao MMA, esporte que acompanha de perto há 10 anos: um cinturão do UFC emoldurado no topo da estante, luvas de luta autografadas por lutadores como Renan Barão, Junior Cigano e Rodrigo Minotauro, e uma camisa assinada por Anderson Silva.
Foi seu trabalho como médico de lutadores como Anderson Silva, Vitor Belfort e Minotauro que abriu as portas do UFC para Tannure, quando a organização retornou ao Brasil pela primeira vez em mais de uma década, em 2011. Sem agência regulatória local, a organização precisava de um médico para trabalhar em seus eventos, e Tannure foi indicado. A partir daí, atuou em todos os eventos da companhia no país, e deu os primeiros passos para a fundação da CABMMA, que passou a supervisionar os torneios do Ultimate em 2013 e trouxe um novo padrão de controle regulatório, inspirado nas comissões atléticas estaduais americanas, para o MMA nacional.
A posição de diretor médico da nova entidade, porém, levantou uma polêmica: poderia o responsável por exames e testes antidoping de uma agência regulatória independente atender os lutadores que deveria regular? Em 2013, o foco dessa polêmica era Belfort, que lutou três vezes no Brasil naquele ano; agora, é Anderson Silva, flagrado com substâncias proibidas em seu organismo em sua última luta, em janeiro, em Las Vegas. Incomodado com as acusações, o Dr. Márcio Tannure decidiu abrir o jogo sobre suas relações com os atletas e garantiu ao Combate.com que, por opção própria, parou de atender lutadores de MMA justamente em 2013. Foi além: colocou seu cargo na entidade à disposição de quem pudesse provar que ainda tem atletas do Ultimate entre seus pacientes. Por outro lado, afirmou que, se entrou em conflito de interesse no início de seu trabalho com o UFC, o fez em benefício de uma evolução para o MMA.
- Quando eu entrei na comissão atlética, por opção minha, eu deixei de atender atletas, porque eu sabia que isso ia surgir. Quero deixar isso público, bem claro, que hoje, se alguém provar que tem algum atleta do UFC que eu trato, eu largo meu cargo na comissão no mesmo dia. Isso tem que ficar bem claro ao público, quero reforçar e deixar bem frisado, para acabar com essa história de conflito de interesse. Se houve em algum momento conflito de interesse, foi bom para o esporte. Hoje, se alguém provar que tem algum atleta do UFC que eu trato, eu largo meu cargo na comissão no mesmo momento - exclamou Dr. Márcio Tannure.
Confira a primeira parte da entrevista:
COMBATE.COM: Como começou sua relação com o MMA?
Márcio Tannure: No MMA, já trabalho em torno de 10 anos. Eu comecei trabalhando com atletas. Tudo começou na minha relação com o MMA quando a gente inaugurou a Black House no Brasil, que hoje em dia nem existe mais, virou XGym. Isso foi em 2005. Eu era médico pessoal do Joinha, tratava vários alunos do Rogério Camões, e principalmente o Joinha conversou comigo, me disse que esse trabalho de suplementação e performance é muito feito nos Estados Unidos, que tinha essa experiência lá também, e aqui a gente não tem isso. Ele me fez o convite e eu comecei a ser o médico da Black House. A gente começou a fazer um bom trabalho e, com isso, virou referência no meio dos atletas, no meio do esporte, desde aquela época.
Hoje, as pessoas falam dessa coisa do conflito de interesse, que não existe mais. Quando eu entrei na comissão atlética, por opção minha, eu deixei de atender atletas, porque eu sabia que isso ia surgir. Quero deixar isso público, bem claro, que hoje, se alguém provar que tem algum atleta do UFC que eu trato, eu largo meu cargo na comissão no mesmo dia. Isso tem que ficar bem claro ao público, quero reforçar e deixar bem frisado, para acabar com essa história de conflito de interesse. Se houve em algum momento conflito de interesse, foi bom para o esporte. Hoje, se alguém provar que tem algum atleta do UFC que eu trato, eu largo meu cargo na comissão no mesmo momento. Fui eu mesmo que escolhi parar de atendê-los quando começou a comissão atlética, que eu fui um dos fundadores. Se existe esse conflito de interesse hoje, é porque eu quis fazer esse trabalho na comissão atlética, que não existia, em função da melhora dos atletas, da preocupação com a saúde dos atletas, porque não existia - posso afirmar - exame antidoping em evento nacional nenhum, não existia exame nem de sangue. Eu já tratava atletas antes, então já sabia da vida deles, já sabia o que eles passavam, e aí veio essa necessidade de criar algo que o maior interessado e o maior beneficiado é a saúde do atleta.
Hoje, as pessoas fazem de uma maneira que parece que eu tenha que negar que atendi alguns atletas, o que, para mim, é o maior motivo de orgulho, porque tratei vários atletas como médico do esporte, como Minotauro, Vitor Belfort, Minotouro, Pedro Rizzo, Erick Silva, Feijão, Paulão, Babalu. Peguei eles no início e todos esses atletas com que eu trabalhei, eu tenho uma relação de respeito, de admiração e de amizade, e eles têm por mim. Vocês podem perguntar a todos eles. Não é por que hoje eu tenho uma relação de amizade com um atleta que isso é um conflito de interesse. Eu não posso mais tratá-los como eu tratava. Muitos deles, quando eu tomei essa decisão e conversei com eles, ficaram chateados, mas, por essa relação de admiração e respeito por mim, todos entenderam essa minha atitude e o por quê disso, que era pela criação da comissão atlética, e isso era uma coisa que ia se reverter pelos atletas. Hoje eu realmente não atendo mais nenhum, foi uma coisa que eu tive que abrir mão. Foi uma escolha minha, não foi imposição da comissão ou do UFC. No início, eu trabalhava para o UFC quando vinha ao Brasil porque nem existia comissão atlética, então primeiro trabalhei para o UFC porque, quando o UFC chegou aqui, pediu informação de algum médico que tivesse experiência com luta, que tivesse experiência com esporte, e meu nome foi indicado porque eu já trabalhava com isso há algum tempo, e depois, quando teve a ideia da criação da comissão atlética, eu fui convidado para ser o diretor médico. Por isso as pessoas confundem, porque a coisa é confusa e é tudo muito novo. No Brasil, a comissão atlética tem dois anos; nos EUA, elas têm 30. Realmente é confuso, eu entendo quem está de fora, porque é tudo muito novo, e essa sequência ficou meio confusa.
Quando começou a trabalhar com o UFC?
Desde o primeiro evento. Eu fui o médico no evento aqui em 2011. Ou seja, em todos os eventos do UFC aqui no Brasil eu fui o médico responsável. No início, o médico do UFC, o Jeff Davidson, também vinha e acompanhava, mas já não vem mais depois que foi criada a comissão atlética. A comissão atlética só começou a regulamentar os eventos a partir de 2013. Então, até 2013, eu trabalhava teoricamente para o UFC, porque não existia comissão atlética. O primeiro evento que foi todo regulamentado pela comissão atlética foi o segundo de 2013, que, não me lembro, acho que foi Jaraguá do Sul ("UFC: Belfort x Rockhold", em maio). O primeiro evento de 2013, que foi em São Paulo, a comissão atuou como sombra; já estava lá, mas a comissão da Inglaterra, que vinha junto com o UFC, acompanhou, já estava acompanhando os eventos, e, a partir desse evento, já foi tudo realizado pela comissão brasileira, inclusive a parte de doping.
Quando você tomou a decisão de parar de atender os lutadores?
Quando a comissão começou a trabalhar realmente. No início, a gente estava montando a comissão, eu sou um dos responsáveis por isso, principalmente na parte médica. A questão de dopagem, de suspensão médica, de exame médico, nada disso existia no Brasil. Se houve algum conflito de interesse, foi um conflito de interesse bom para o esporte. E aí, quando começou, no início, era uma coisa nova para mim também, não sabia que ia ser um conflito de interesse ou não. Quando eu ouvi o primeiro comentário sobre isso, eu falei, "É o momento de decidir: ou eu sigo com a comissão atlética e sigo nisso, ou sigo tratando meus atletas." Eu gostava das duas coisas, me davam prazer, mas eu queria naquele momento deixar esse legado para o esporte, que acho importante. Eu já tinha feito minha participação com os atletas também, o que sempre me deu prazer e me orgulho disso. Quem não se orgulharia, por exemplo, de ter trabalhado com o Minotauro na época em que ele foi campeão do Pride e do UFC, as 11 defesas de cinturão do Anderson, trabalhado com o Vitor, isso para mim não é motivo de vergonha, não. É motivo de orgulho. Não tenho que negar, pelo contrário. Mas agora, o que eu falo e repito: hoje, se alguém provar que tem algum atleta do UFC que eu trato, eu largo o meu cargo na hora. Quero acabar com isso de uma vez por todas. Mas também, se alguém acusar isso e não provar, vai ter que provar isso judicialmente. Isso é uma coisa que eu quero deixar bem clara.
Hoje você é pago pela Comissão Atlética Brasileira?
Eu faço parte da comissão atlética, e isso é um trabalho que nem é remunerado ainda. Isso é uma coisa que as pessoas acham de fora, que a comissão atlética está ganhando dinheiro, mas eu nem sou remunerado. Quando eu trabalhava com os atletas também não era. Para mim isso não é novidade. Quando a gente trabalha com esporte, a gente sabe que não é pela questão financeira. Você pode perguntar para todos os atletas que eu trabalhei, nunca cobrei um centavo de nenhum deles. Foi sempre uma questão de respeito, de admiração mútua. E hoje, pela comissão atlética, eu também não recebo, mas eu quero deixar esse legado para o esporte. Acho que já estou deixando meu nome na história, acho que sou um agente de mudança. Toda pessoa que é um agente de mudança sofre isso que estou sofrendo agora, esse tipo de cobrança, de pancada, mas eu sabia que isso ia acontecer, porque nós estamos tentando implementar regras que beneficiem o atleta, e nem sempre isso é bom para todos. Isso é bom para o esporte, com certeza, mas tem algumas pessoas que estavam numa situação confortável e talvez isso esteja tirando elas dessa situação. Mas com certeza, no futuro, isso vai ser muito bom para o esporte. Tenho certeza que meu nome vai ficar marcado no esporte para o lado bom.
Eu tenho sofrido, porque as pessoas, a imprensa principalmente, fazem algumas insinuações às vezes sem saber da sua história e do seu caráter. Por exemplo agora, como aconteceu com o Anderson, as pessoas tentando induzir que eu tinha alguma coisa a ver com isso. Eu trabalho no Flamengo há 13 anos, só no Flamengo eu já participei de mais de 2.000 exames antidoping, porque o único esporte aqui no Brasil que em toda partida tem exame antidoping feito pela Wada (Agência Mundial Antidoping) é o futebol. Nunca tive um caso. Nesses oito anos que trabalhei com esses atletas (de MMA), eram atletas que eram testados, atletas campeões, e nunca tive um caso. Na Seleção Brasileira, todos os jogos, todos os atletas eram testados, participei de dois Mundiais Sub-20, de Pré-Olímpico com aquela geração do Neymar, e nunca tive um problema, então não sei por que agora teve um problema e as pessoas estão relacionando isso a mim como se eu fosse um médico que... Acho que, se as pessoas pegassem meu passado - mesma coisa com o Anderson - acho que não bate muito.
Óbvio que estou sentindo isso, tem me chateado bastante. Por isso que quero deixar isso bem claro. Isso te chateia, interfere na sua vida pessoal e profissional, porque as pessoas não têm o menor cuidado com isso, de expor o seu caráter, a sua índole, a sua história. A maioria das pessoas nem sabe por que eu estou aqui. Deveriam estudar isso antes, deveriam perguntar o que aconteceu antes, deveriam saber quem você é antes de fazer qualquer suposição ou qualquer crítica, mas infelizmente eu sabia que isso era uma coisa que a pessoa que está na posição que eu estou está passível que aconteça. A gente tem que estar preparado para receber isso. Tenho um propósito no esporte e vou continuar caminhando em frente.
Se arrepende de não ter pontuado melhor que rompeu com os atletas?
Não é questão de me arrepender. Foi tudo tão rápido que realmente não teve isso e ficou confuso para muitas pessoas. Mas, se vocês forem pegar a história pregressa, em 2013 tem uma entrevista que fiz para o Combate deixando bem claro que, a partir daquele momento, em função da comissão atlética, do rumo que estava indo, (eu deixaria de atender os atletas). Deixei bem claro que, a partir daquele momento, por decisão minha, (não atenderia mais). Mas eu acho que isso poderia ter ficado mais claro sim, mas ficou confuso porque o processo foi muito rápido, a coisa tomou uma proporção muito grande e eu entendo, por mais que eu fique chateado, porque acho que algumas coisas são injustas e as pessoas tinham que enaltecer o trabalho que eu vinha fazendo no esporte, ao invés de querer achar um culpado para alguma coisa, criar que tem algum conflito de interesse. Acho que a coisa poderia ter sido mais bem explicada, de repente até por vocês mesmos. Antes de questionar, ou criticar, ou fazer uma suposta acusação, perguntar e entender esse processo.
Você disse na época que não atendia mais, mas prestava consultoria agora aos atletas. Como a consultoria difere do trabalho de médico, de atendimento?
Vocês têm que entender que eu, como diretor médico da comissão atlética, obrigatoriamente tenho contato com todos os atletas. Como funciona isso? Tem atleta que me pergunta, "Doutor, isso aqui foi prescrito para mim, é doping?" Eu, como minha obrigação, tenho que falar, "É, isso não é permitido", ou "Isso é permitido". A gente está aqui para ajudar e explicar ao atleta. Ou o que você tem que fazer de exame, é esse, esse e esse... Essa é uma das minhas obrigações: esclarecer. Por exemplo, um atleta, quando tem uma lesão, eu tenho que vê-lo de novo para liberá-lo ou não. Então, vou continuar tendo contato com atleta. Não faço mais esse tratamento de performance que eu fazia, mas é impossível um diretor médico não ter contato com atleta na parte médica! Quando um atleta se machuca, por exemplo, sou eu que o examino e encaminho. Isso é uma coisa que não tem conflito de interesse nenhum, pelo contrário, é uma das minhas obrigações como diretor médico da comissão atlética. Esse que é o tipo de consultoria que você está falando. Se algum atleta me perguntar, fizer algum tipo de questionamento, eu tenho obrigação de responder. A gente está aqui para isso, para esclarecer e ajudar.
Em 2013, o Anderson Silva apresentou sua equipe para sua primeira luta contra o Chris Weidman, e te apresentou como médico da equipe. Você era realmente médico da equipe, ou foi mal colocado?
Eu me lembro muito bem, ele não me apresentou como médico da equipe. Mas o Anderson é meu amigo pessoal, eu não nego para ninguém, pelo contrário, isso para mim não é vergonha. É um cara por quem tenho uma admiração muito grande, como o Minotauro é meu amigo, o Vitor é meu amigo - todas as pessoas, todos os atletas que eu trabalhei são meus amigos hoje. E isso vocês têm que diferenciar, entre você ser amigo da pessoa que você conviveu por vários anos, e ter um conflito de interesse. Óbvio que a gente tem um carinho e um respeito; apesar de eu não tratá-lo mais, sou amigo dele. Nessa última luta, por exemplo, eu fui vê-lo. Participei de todo esse processo desde que ele fraturou a perna. Nisso sim, participei como médico ortopedista dele aqui, porque não tem o menor conflito de interesse, porque estive na cirurgia dele lá, então tinha contato com o médico que o operou lá, ele fazia o exame aqui e eu era o canal para enviar o exame para o médico de lá, para avaliar e vice-versa, a gente trabalhou nisso. Eu fui lá (à luta contra Nick Diaz) como um fã de uma pessoa que eu admiro.
Não participei do camp dele, cheguei na véspera da luta, porque estava trabalhando aqui, cheguei na sexta-feira, e voltei no sábado depois da luta. Fui única e exclusivamente para ver a luta, como um amigo próximo, que vivenciou tudo. Ele até deu uma entrevista, eu lembro muito bem disso, foi algo que realmente aconteceu, (dizendo) que "o Dr. Tannure, nesse período da minha fratura, foi muito mais psicólogo do que médico", porque ele passou por momentos de altos e baixos. Sempre tentei, como amigo, conversar com ele, dizer que vai ficar bem, sua perna vai ficar boa, vai conseguir voltar, porque, a todo momento, ele dizia, "Doutor, não vou conseguir voltar, não vou conseguir voltar às minhas atividades." Fui uma pessoa que estimulei muito; me sinto, nesse sentido, até um dos responsáveis pela volta dele, porque em muitos momentos ele estava bem desanimado e, em todos esses momentos, eu, como amigo pessoal dele, como fã, como fã do esporte, dizia, "Você vai conseguir se você quiser". A gente estava acompanhando, foi uma lesão muito grave.
Não vejo conflito de interesse nisso nenhum. O que poderia haver de conflito de interesse, por exemplo, e que tenho o maior cuidado com isso: aconteceu agora um exemplo disso em Porto Alegre. Teve uma situação que todos sabem, entre mim e o atleta Antônio Silva (Pezão), que já está superado, mas, para não haver nenhum conflito de interesse e o próprio atleta não se sentir constrangido, a gente tem uma escala entre os médicos que fazem as lutas, que avaliam, e eu não fiz a luta dele. Se de repente houver uma interrupção médica, por exemplo, e de repente eu parar a luta, não ficar aquela coisa de "Será?" Então, vamos dizer assim: por eu ser amigo pessoal do Anderson, e eu não nego, pelo contrário, como fiz vários amigos, mas eu sei diferenciar isso muito bem; se o Anderson lutasse aqui no Brasil, provavelmente não seria eu que faria a luta dele, para não haver qualquer conflito de interesse, isso sim, acho que deveria acontecer, como já aconteceu.
Qual a diferença entre ser médico do atleta e atuar como ortopedista?
A diferença é que, se você trata algo de performance, as pessoas poderiam falar que sou eu mesmo que faço a questão do doping, da regulamentação. Eu que te pergunto: ajudando na recuperação da perna dele, qual o conflito de interesse? Se eu faço essa parte de suplementação de performance, a pessoa pode até falar que o cara deixou ele mais forte que o outro, que usou algo que não testou no doping, que poderia acontecer. No caso de fratura, qual o conflito de interesse de ajudar na fratura? Não fui eu que o operei. Sou um médico em que ele confia, fazendo os exames aqui e enviando para lá. Qual o conflito de interesse? Isso geraria aumento na performance dele? Isso deixaria ele chutando mais forte que o outro? Ele lutou lá, onde não tenho interferência nenhuma. Qual seria o conflito de interesse? Qual a gerência que eu teria sobre isso?
Poderia ter informação privilegiada de exames e substâncias...
Se ele lutasse no Brasil, vocês poderiam alegar isso, com certeza. Mas eu tendo essas informações que você falou, que nem tive, mas com ele lutando em Nevada, qual a interferência que poderia ter nisso? Qual seria o conflito de interesse? Aqui sim, mas ele lutando lá? Vocês estão querendo criar uma situação que não é verdadeira. Você que tem que me dizer no que eu tratar a perna dele é um conflito de interesse. Se fosse a outra questão, claro que teria conflito de interesse. Você poderia falar que eu estava passando algo para ele, que não está sendo testado, que sou responsável pelo doping. Mas eu atrás da fratura dele... Foi outro médico que o operou. Mas, como médico de confiança e amigo, ele me ligava perguntando o que estava bom e o que não estava. Que diferença isso faz? São coisas que preciso deixar claras aqui para as pessoas entenderem que você ter relação com o atleta e ter conflito de interesse é diferente. Se alguém provar hoje que tem algum atleta do UFC que eu trato, eu largo meu cargo na comissão no mesmo dia. Agora, se alguém falar, vai ter que provar judicialmente.
Se a luta fosse no Brasil, você teria abdicado dessa função de ortopedista?
Eu teria feito da mesma maneira que fiz na luta do Antônio Silva. Não teria participado da luta dele, não seria o médico que o examinou, exatamente para não ter nenhum questionamento. Hoje o antidoping que fazemos aqui é feito em UCLA, considerado laboratório padrão ouro dos EUA, onde não tenho gerência nenhuma, só para ficar bem claro. Estamos nos aproximando da ABCD (Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem), órgão governamental. No segundo semestre, vão abrir um laboratório aqui no Brasil de novo, creditado pela Wada. Temos a vontade de fazer isso com a ABCD e aí mais ainda que não vou ter gerência sobre isso. Pode ter certeza.
Saiu na imprensa que você estaria contribuindo com a defesa do Anderson Silva, listando as medicações que ele teria usado. É verdade?
Eu não vi essa matéria e nunca falei isso. Te desminto de antemão. Nunca disse isso. Não estou participando diretamente, mas óbvio que, como amigo, ele me ligou, falamos algumas coisas, até para entender o que aconteceu. Perguntei se ele usou algo, para saber, ajudar, mas ele está com o médico dele, o advogado, estão tentando ver o histórico do que ele usou nas internações. Ele foi internado aqui no Brasil também, foi medicado aqui também, mas em nenhum momento falei que eu estava fazendo isso (de listar as substâncias). Não estou e nem fiz em momento nenhum. Nem sei o que eles vão alegar. Foi uma surpresa para mim. Trabalhei oito anos com o Anderson e isso nunca aconteceu durante esse período. Nunca usou nada ilícito, ilegal, nunca quis, nem me questionou da possibilidade de usar alguma coisa. O perfil dele nem é compatível com esse nível de suposta acusação. Mas o que aconteceu agora, não sei. Fico de certa maneira triste pela pessoa que é, pela amizade que tenho, mas, como não posso mais tratá-lo, não sei o que aconteceu. Acredito até que, se ainda fosse meu paciente, isso não teria acontecido, como nunca aconteceu em oito anos. Mas infelizmente, hoje, por essa questão, todos entenderam que eu não poderia tratar mais deles, sabiam que estava fazendo algo para o esporte, que eles nem pegariam muito, mas as futuras gerações se beneficiariam disso. Para eles foi ruim, tinham confiança no médico, mas sabiam o processo que eu vinha vivendo e, por essa amizade, respeito e admiração mútua, todos entenderam e me apoiaram integralmente na decisão. Não teve desgaste.
Pensa em deixar de atuar até mesmo como ortopedista dos atletas para evitar desgaste?
São coisas bem distintas. As pessoas querem achar um culpado e tenho certeza que, quando ele (Anderson) falar, tudo vai ser explicado. Essa questão está sendo muito mais por eu ser amigo dele do que por ter sido ortopedista. Eu não vou deixar de ter um relacionamento com pessoas queridas por mim, que têm meu respeito, admiração, por estar sendo julgado por isso. Não vou deixar de ter relação com as pessoas que gosto e admiro. Mas sou profissional e não vou deixar que isso interfira profissionalmente nessas questões. Uma vez que interfira profissionalmente, óbvio que vou ter que fazer uma escolha, mas, no meu modo de ver, não interfere em nada. Interferiu na minha decisão de parar de tratá-lo por ser da comissão atlética, mas não preciso parar de falar com ele. Por ser amigo, pode ser que não atenda na luta se ele vier lutar no Brasil. (Continuaria como ortopedista) Tranquilamente. Não tem conflito de interesse. Não tem problema nenhum.
Tem essa relação com outros atletas?
Tenho. Todo atleta que se lesiona, tenho que ver. O Cigano, depois da lesão dele, esteve aqui. Suspeitamos de lesão de (ligamento) cruzado, fez exame, foi confirmado, foi no médico dele. O Jacaré, quando foi operado, eu soube, acompanhei. Tenho que ter isso e passar esse feedback para o UFC. Não participei da cirurgia, mas participo de tudo, nesse sentido das lesões ortopédicas, ativamente. Quando o Minotauro foi operado, esteve aqui, eu o vi, a gente diagnosticou uma lesão de ligamento cruzado, foi encaminhado para o médico especialista. Não sou eu que vou operar, mas examinar os atletas é obrigação minha. Não opero justamente para não ter conflito de interesse. O Minotauro, que é meu amigo pessoal, veio aqui, vi que tinha que operar, ele perguntou em quem eu confiava. Isso não tem problema nenhum. Mesma coisa com o Cigano. Falou que tinha um médico que já tinha o operado em São Paulo, então falei para ele fazer em São Paulo com o médico que ele confiava.
O que achou das críticas do Pezão, atribuindo a culpa do caso do Anderson Silva a ele?
Isso aí, o que tinha pra falar já foi dito naquela época, já gerou muito desgaste. Isso já é página virada para mim e para ele também. Não tenho o menor rancor, mágoa, desejo sucesso para ele e continuo desejando. O que tinha para ser dito, já foi dito e esclarecido, pelo menos da minha parte. Não gostaria de voltar a esse assunto, que para mim já morreu. Bola pra frente. Não tenho a menor mágoa. Torço por ele e para todos os brasileiros. Vou torcer para ele também com certeza.
A segunda parte da entrevista com o Dr. Márcio Tannure vai ao ar na quinta-feira.
Fonte: http://sportv.globo.com/site/combate/no ... porte.html" onclick="window.open(this.href);return false;