vlw Bruno, segue outro texto muito interessante pra quem quiser ler:brunodsr escreveu:Belo texto, Alex.
Religião, ética e moral
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Um argumento comumente usado a favor da religião é o de que sem ela as pessoas não teriam um norteador ético e moral. Em outras palavras, sem as regras e limites impostos pela religião, não nos portaríamos de maneira minimamente cooperativa, harmônica, e o mundo se tornaria um caos. Entende-se por isso um cenário onde agiríamos de forma egoísta e sem compaixão: desavenças facilmente terminariam em assassinatos, luxúria em crime, cobiça em furto, e assim por diante.
Neste artigo desenvolverei dois argumentos contra essa tese leviana. Primeiro, que os textos bíblicos das três religiões monoteístas (escopo deste texto) nada têm de balizadores éticos ou morais – muito pelo contrário. Segundo, que temos todas as ferramentas intrínsecas para exercermos valores éticos e morais de forma secular, sem a necessidade da religião.
Escrituras questionáveis
Defender o primeiro argumento é uma tarefa relativamente simples para qualquer um que se proponha a ler o velho e o novo testamento e o alcorão com um mínimo de atenção e pensamento crítico. Seguem alguns trechos dos três livros sagrados como ilustração:
“Se uma jovem é dada por esposa a um homem e este descobre que ela não é virgem, então será levada para a entrada da casa de seu pai e a apedrejarão até a morte.”
(Deuteronômio 22:20-21)
“Se uma mulher for estuprada na cidade, e não gritar alto suficiente, ela deve ser apedrejada até à morte. […] Caso seja no campo, então ela vive. Enfim, se o estuprador for apanhado, ele deverá pagar uma quantia ao pai e casar com a estuprada.” (Deuteronômio 22:23-29)
“Samaria virá a ser deserta, porque se rebelou contra o seu Deus; cairão à espada, seus filhos serão despedaçados, e as suas grávidas serão fendidas pelo meio.” (Oseias 13-16)
“Vai, pois, agora e fere a Amaleque; e destrói totalmente a tudo o que tiver, e não lhe perdoes; porém matarás desde o homem até à mulher, desde os meninos até aos de peito, desde os bois até às ovelhas, e desde os camelos até aos jumentos.” (Samuel 15-3)
“Quando também um homem se deitar com outro homem, como se fosse mulher, ambos fizeram abominação; certamente morrerão; o seu sangue será sobre eles.” (Levítico 20:13)
“E quanto àqueles meus inimigos que não me quiserem como rei, trazei-os aqui e MATAI-OS diante de mim”. (Lucas 19:27)
“Ó fiéis, não tomeis por amigos os cristãos nem os judeus; que sejam amigos entre si. Porém, quem dentre vós os tomar por amigos, certamente será um deles; e Deus não encaminha os iníquos” (Suratra 5,51).
“Deus cobrará dos fiéis o sacrifício de seus bens e pessoas, em troca do Paraíso. Combaterão pela causa de Deus, matarão e serão mortos” (Surata 9:111).
Alguém em sã consciência consegue defender esses ensinamentos como éticos ou morais? Tratam-se de textos opressores, genocidas, racistas, homofóbicos e machistas, obviamente escritos por pessoas primitivas em eras arcaicas. São do tempo quando se achava que um trovão ou uma epidemia eram frutos da ira de Deus. Uma criança de 12 anos hoje tem mais conhecimento do mundo ao nosso redor que o maior dos sábios há dois ou cinco mil anos atrás. No entanto, grande parte das pessoas até hoje se rege por essas escrituras ultrapassadas e imorais.
Religiosos moderados com frequência argumentam que os textos não devem ser levados ao pé da letra, que são passíveis de interpretação. Mesmo? Um texto que se supõe tenha sido escrito ou transmitido por uma entidade tão superior, um Deus onipresente e todo poderoso, não se espera que seja atemporal e perfeito? Ademais, que espaço para interpretação uma afirmação como “apedrejar até a morte” ou outras acima pode ter? Não existem metáforas que justifiquem ou abrandem essas colocações.
Nesse sentido, aliás, os fundamentalistas religiosos são ao menos coerentes. Tratam os textos sagrados como deveriam ser tratados se fossem de verdade fruto do Criador: literalmente. Infelizmente, essa coerência bíblica é responsável por grande parte das tragédias e atrocidades que a humanidade vem presenciando. Uma breve lista inclui: Inquisição, Cruzadas, Missões, ataques terroristas de 11/9, opressão às mulheres no mundo islâmico, propagação da AIDS na África em consequência da posição da Igreja contra o uso de preservativos, atual genocídio perpetuado no Iraque e na Síria pelo grupo EIIL.
Outro argumento dos moderados é o de que podemos escolher as passagens bíblicas com as quais nos identificamos, deixando de lado os trechos do Deus genocida e tirano, relevando os mesmos como “ultrapassados”. Esta colocação expõe outra falha lógica: se nos identificamos com certas passagens bíblicas (ex.: não matarás, não roubarás) mas não com outras, isso quer dizer que nossos valores éticos e morais precedem os religiosos. Ou seja, temos valores éticos e morais não por causa da religião, mas apesar dela. Antes de nos atarmos à religião, já tínhamos noção do que é certo e do que é errado.
Valores seculares
Ao longo dos milênios, o ser humano evoluiu como um “animal social”. Vivemos em família, desenvolvemos círculos de amigos, criamos redes sociais para ascensão pessoal e profissional. Através de tentativa e erro e da seleção natural, desenvolvemos instintos de compaixão, cooperação e convívio social. Não se trata de uma visão romântica. Trata-se de sobrevivência. As pessoas com mais capacidade de se integrar em comunidades, de ajudar e ser ajudado, de viver de acordo com as normas que foram se convencionando, tiveram mais capacidade de sobreviver e passar seus genes adiante. A compaixão é fruto desse processo.
Existem algumas evidências de nossa compaixão inata. Um exemplo é nossa inevitável identificação com eventos fictícios. Por que nos emocionamos vendo um filme ou lendo um romance, mesmo sabendo que se trata de atores ou obra de ficção? Porque estamos condicionados a ter compaixão, a nos identificarmos com as emoções do próximo. É algo mais forte que a razão. Outro exemplo é o impulso que a grande maioria de nós sente em ajudar uma senhora que tropeça e cai na rua. Sem pensar duas vezes, imediatamente quem está mais próximo se prontifica a socorrê-la. Até as pessoas que na nossa visão são mais frias ou egocêntricas têm o impulso de ajudar.
É claro que frequentemente saímos desse estado de equilíbrio cooperativo e cometemos atos antissociais, egoístas ou mesmo repulsivos. Dependendo da situação, um indivíduo pode se ver roubando, trapaceando, mentindo ou matando. E algumas pessoas patologicamente não têm a capacidade do convívio social harmônico, como por exemplo os psicopatas. Mas trata-se de exceções. E para essas exceções existem, desde tratamento psiquiátrico, até leis que as sociedades desenvolveram, que punem infratores e desestimulam ações corrosivas ao bem comum.
Esse arcabouço social e jurídico é fruto secular. Desde as sociedades tribais e primitivas há milhares de anos, passando pela Grécia antiga de Sócrates e Platão, até os tempos de hoje, nos impomos limites e regras que nos permitem viver em relativa harmonia. Aprendemos entre nós como devemos agir como indivíduos (moral) e como parte do tecido social (ética).
Inclusive, é interessante notar quais são os países mais religiosos e os mais seculares do mundo e compará-los (fonte: Huffington Post):
Mais religiosos: Gana, Nigéria, Armênia, Fiji, Macedônia, Romênia, Iraque, Quênia, Peru, Brasil.
Mais seculares: Japão, Islândia, Holanda, Alemanha, Coréia do Sul, França, Inglaterra, Dinamarca, Suécia, Áustria, Austrália.
É nítido como o secularismo se correlaciona (seja causa ou efeito) com sociedades com valores éticos sólidos, onde direitos humanos são respeitados, a pluridade cultural e étnica é promovida, e a estabilidade civil se sustenta. Isso sem falar nos índices de desenvolvimento econômico e social. Mas isso é tema para um futuro artigo.
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