Celão escreveu:Quando uso o verbo 'crer', refiro-me àquilo que não é passível de uma constatação como no exemplo que você deu (Austrália), mas de conclusões científicas de algo que não está fisicamente/temporalmente ao nosso alcance. Quer um exemplo? até algum tempo atrás, historiadores afirmavam que Cleópatra devia ser uma mulher bonita. Imagino que essa afirmação estivesse embasada por evidências. Não consigo imaginar um 'chute' de quem estuda o assunto. Há relatos de autores romanos sobre sua inteligência, carisma e voz sedutora. Isso tudo atrelado ao fato dela ser adorada por políticos e generais romanos. Dá pra se chegar à mesma conclusão dos historiadores, certo? Pois bem, recentemente encontraram uma moeda com o rosto da 'beldade': uma mulher nariguda! Logo, os historiados passaram a 'crer' que Cleópatra não era bonita. Perguntas: será que ela era realmente feia como mostra a moeda ou o cara que fez a moeda era um péssimo artista? E se a moeda não fosse encontrada? Continuaríamos com a imagem de Elisabeth Taylor na memória? Percebe que isso não tem a ver com a existência ou não da Austrália?
Com o seu exemplo, entramos no campo de diferenciação dos objetos epistemológicos em cada ciência. O que é aceito como evidência, hipótese, tese, teoria, métrica varia de ciência para ciência. O campo da História dista muito das ciências Exatas nesse sentido. Na Física, a evidenciação é concreta porque as ferramentas matemáticas são exatas. Na História, evidências são utilizadas para preencher hipóteses ou teses. E hipóteses/teses tem níveis de plausibilidade de acordo com a quantidade de evidências que temos disponíveis. (importante frisar aqui que
tese não significa verdade. Esse posto está reservado somente à teorias e objetos epistemológicos "superior").
No exemplo que você citou, provavelmente o conjunto de hipóteses era pequeno para embasar a tese de que Cleópatra foi uma mulher bonita. Mas observe que isso é um exemplo injusto, já que você
não questionou hipóteses em que o conjunto de evidências é gigante a ponto de tornar hipótese uma teoria (a palavra "teoria" para a ciência tem um significado diferente do uso coloquial).
E
não há nada de errado em mudar hipóteses quando um novo grupo de evidências é encontrado, isso faz parte da evolução científica. É exatamente por isso que você não pode chamar isso de "crer". Eu aceitaria os argumentos dos Historiadores que fundamentam a hipótese que dizia que Cleópatra era lindíssima, pela plausibilidade baseada nas evidências. Mas eu aceito igualmente a mudança de hipótese baseada em novas evidências. Isso nunca pode ser considerado crer, muito menos dogma. Eu aceitaria até mesmo a hipótese que a Austrália é uma simulação virtual se existisse um conjunto de evidências maiores das que dizem o contrário.
Enfim, a ciência é um dos sentidos mais apurados do ser humano para constatar a realidade do Universo. Não quer dizer que ela é infalível, mas ela está sempre em constante evolução.
Celão escreveu:Sim, mas e quando os cálculos matemáticos não se aplicam ou são ignorados? O que havia antes do Big Bang? Nada? O que exatamente significa 'nada'? Há cientistas levados a sério que investem na ideia de que o nada não era necessariamente um nada, mas havia 'algo'. Peraí, mesmo havendo algo vamos continuar chamando de nada apenas para que haja encaixe com a teoria em vigor? Maior abstração que essa...
O desconhecimento não pode ser usado como desculpa para o conhecimento gerado sem evidência . Se você não consegue matematizar algo no Universo, não significa que isso não venha a ser possível.
E a ideia de existir um "nada" ou, melhor colocando em linguagem, a ideia matemática de uma nuvem de probabilidades da qual surgiu a realidade, é tese científica e tem fundamento em formulação matemática:
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E aí que está o problema das abstrações: o "nada" é um conceito tão difícil de racionalizar que você tende a achar que ele é apenas filosófico, subjetivo. É a mesma lógica de pensar como seria uma abstração de uma divisão numérica por 0: como você colocaria isso em linguagem comum ou em uma analogia? Será que essa analogia seria suficiente para representar
todas as implicações matemáticas e físicas de uma divisão por 0?
Agora, se filosoficamente você pensa em outras hipóteses (mesmo que o conjunto de evidências para ela seja nulo), você tem todo direito de acreditar nisso. Mas veja, você não pode dizer que isso é conhecimento científico. E para derrubar aquela hipótese cientificamente fundamentada, você precisa utilizar as mesmas ferramentas usadas para compô-la. É incompatível e perda de tempo utilizar dialética e tentar rebater abstrações.