País financiará infraestrutura de vizinhos para garantir o funcionamento da rota que chega até o norte da Itália
Projeto de transportes provocou comparações com Plano Marshall, que recuperou Europa após a Segunda Guerra
MARCELO NINIO
DE PEQUIM
O mais ambicioso projeto geopolítico do governo chinês começa a sair do papel. A Nova Rota da Seda, que pretende reviver a antiga rede comercial entre Oriente e Europa, é a grande aposta de Pequim para traduzir sua força econômica em poder global.
Quase 8.000 quilômetros separam a cidade de Xi'an de Veneza, na Itália, extremos da rota. No lugar das caravanas de camelos que cruzavam a Ásia Central com mercadorias entre a China e a Europa, uma ampla rede de ferrovias, estradas, oleodutos e cabos de fibras ópticas ocupará o percurso, de acordo com os planos do governo chinês.
Para financiar as obras, Pequim criou um fundo de US$ 40 bilhões, além do Banco Asiático de Infraestrutura e Investimento, que tem a participação de outros 21 países e deve começar a funcionar neste ano, com um capital de US$ 50 bilhões.

A proposta da China para financiar a infraestrutura de países vizinhos tem sido comparada ao Plano Marshall, o programa norte-americano que reergueu a Europa após a Segunda Guerra Mundial.
"A rota pode ser entendida como um Plano Marshall com características chinesas. Ela fortalece os vizinhos, contribui para o crescimento e os coloca em um sistema projetado por Pequim", disse David Gosset, diretor da Escola de Negócios Internacionais China-Europa, em Xangai.
A ambição de reviver a Rota da Seda foi anunciada pela primeira vez em 2013 pelo líder chinês, Xi Jinping, durante visita ao Cazaquistão.
Com raízes familiares na província de Shanxi, início da rota, Xi evocou as origens milenares de uma das mais influentes redes comerciais da história (130 a.C-1453 d.C).
Segundo o sinólogo David Kelly, a importância da Nova Rota da Seda é fruto do mais alto nível de decisão na hierarquia comunista, uma doutrina só estabelecida pelos líderes máximos, como Mao Tse-tung e Deng Xiaoping.
"É como uma bula papal, não pode ser contestada", compara Kelly, diretor da consultoria China Policy.
Ele conta que nos últimos meses são feitos, em média, 60 textos diários sobre a rota, prova de que os acadêmicos se sentem compelidos a adotar o novo dogma.
A China diz que mais de 50 países se interessaram pelo projeto e rejeita a comparação com o Plano Marshall.
"Ao contrário do Plano Marshall, nenhuma condição foi imposta aos participantes da Rota da Seda", afirmou o governo, em artigo da agência oficial Xinhua.
Na semana passada, um trem de carga veio da Espanha à China após percorrer a linha ferroviária mais longa do mundo, com 13 mil quilômetros, em 24 dias.
A viagem foi exaltada como um marco no renascimento da rota: com sua capacidade inigualável em construir ferrovias, os trilhos são um caminho natural para o projeto de expansão econômica e política da China.
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Rota da Seda renasce
Por KEITH BRADSHER
O MAQUINISTA Azamat Kulyenov, 26, empurrou para frente a manopla preta do acelerador. O trem cargueiro expresso, com quase um quilômetro de comprimento, começou a avançar pelos vastos e desertos prados do Cazaquistão, deixando para trás a fronteira com a China.
Os controladores da cidade fronteiriça cazaque de Dostyk deram prioridade para o trem de 1.600 toneladas em relação ao resto do tráfego ferroviário. Guardas especialmente treinados subiram a bordo. Enquanto o trem viajava pelas desoladas estepes eurasianas, seguranças armados com fuzis AK-47 viajavam na locomotiva, atentos a bandidos que pudessem tentar acompanhar o trem de carro, com a intenção de roubá-lo.
O trem segue mais ou menos o mesmo percurso da lendária Rota da Seda, antigo caminho que ligava a China à Europa e era usado para o transporte de especiarias, pedras preciosas e, evidentemente, seda, até cair em desuso, seis séculos atrás.
Agora, a rota está sendo ressuscitada para uma carga nova e igualmente preciosa: milhões de laptops e acessórios de informática fabricados anualmente na China e enviados para clientes em Londres, Paris, Berlim e Roma.
A Hewlett-Packard, empresa eletrônica do Vale do Silício, foi pioneira em retomar uma rota famosa no Ocidente desde a época do Império Romano.
Há pelo menos dois anos, a companhia envia com crescente frequência laptops e acessórios para lojas da Europa a bordo de trens expressos que cruzam a Ásia Central a uma velocidade de 80 km/h.
Inicialmente, essa foi uma experiência realizada nos meses de verão, mas agora a HP despacha trens semanalmente nessa rota de quase 11 mil km, chegando a três vezes por semana quando a demanda justifica. A HP planeja usar o frete ferroviário no próximo inverno boreal e para isso adotou complexas providências para proteger a carga de temperaturas que podem cair a -40° C.
Outras empresas estão começando a seguir o exemplo da HP. No mês passado, autoridades chinesas anunciaram o primeiro de seis trens cargueiros longos de Zhenzghou, polo industrial na China central, para Hamburgo, na Alemanha, seguindo praticamente a mesma rota por China, Cazaquistão, Rússia, Belarus e Polônia. As autoridades dizem ter planos para colocar 50 trens nessa rota no ano que vem, transportando cargas num valor de US$ 1 bilhão.
A DHL disse ter iniciado um serviço semanal de frete ferroviário a partir de Chengdu, no oeste da China, passando por Cazaquistão e Polônia. Alguns concorrentes da HP estão em etapas variadas no processo de começar a usar a rota, segundo executivos.
A Rota da Seda nunca foi uma só rota, mas sim uma teia de caminhos trilhados por caravanas de camelos e cavalos a partir de mais ou menos 120 a.C., quando Xi'an -cidade do centro-oeste chinês, mais conhecida por seus guerreiros de terracota- era a capital da China.
As caravanas começavam cruzando os desertos do oeste da China, viajavam por cordilheiras que acompanham as fronteiras ocidentais chinesas com os atuais Cazaquistão e Quirguistão e então percorriam as pouco povoadas estepes da Ásia Central até o mar Cáspio e além.
Essas rotas floresceram durante os primórdios da Idade Média na Europa. Mas, à medida que a navegação marítima se expandiu, nos séculos 14 e 15, e que o centro político da China se deslocou para Pequim, a leste, a atividade econômica da China também migrou na direção da costa.
Hoje, a geografia econômica está mudando outra vez. Os custos trabalhistas nas cidades do leste da China dispararam na última década. Por isso as indústrias, na tentativa de cortar gastos, estão transferindo sua produção para o interior do país. Transportar produtos de caminhão das novas fábricas interioranas para os portos costeiros é algo caro e demorado. O alto custo do combustível encareceu o frete aéreo e levou as empresas de navegação marítima a reduzir a velocidade dos navios de contêineres. Os atrasos resultantes enfureceram empresas que despacham produtos eletrônicos de alto valor, como a HP.
Os atrasos aumentam seus custos e dificultam o atendimento a mudanças na demanda por parte dos consumidores em mercados distantes.
O envio de produtos por caminhão das fábricas do interior para os portos de Shenzhen ou Xangai -e de lá por navios que contornam a Índia e cruzam o canal de Suez- é algo que leva cinco semanas. O trem da Rota da Seda reduz para três semanas o tempo de transporte do oeste da China para os centros de distribuição varejista na Europa Ocidental. A rota marítima ainda é 25% mais barata do que o envio dos produtos por trem, mas o custo do tempo agregado por mar é considerável.
O Cazaquistão, que já tem 14 mil km de ferrovias, está rapidamente construindo novas rotas ferroviárias até suas fronteiras com a China, a leste, e com o Turcomenistão, ao sul. Um dos objetivos é ligar a China ao Irã via Turcomenistão, supondo que a situação política no Irã melhorará, segundo Kanat Alpysbayev, vice-presidente de logística da empresa Ferrovias Nacionais Cazaques.
A iniciativa ferroviária cazaque motivou uma competição regional. Em 21 de junho, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, anunciou um plano de infraestrutura de US$ 43 bilhões, focado fortemente na melhoria das ligações ferroviárias com a China.
Para o trem que seria conduzido por Kulyenov, operários carregaram laptops e monitores de computador em 50 contêineres especialmente criados para a HP, os quais foram então depositados sobre vagões no pátio ferroviário de Chongqing. O trem deixou essa estação em 14 de junho e levou cinco dias para atingir o Cazaquistão.
Quando o trem chegou à fronteira de Belarus com a Polônia, os contêineres precisaram ser transferidos para vagões de bitola mais estreita. O primeiro trem chegou a Duisburg, na Alemanha, em 3 de julho, 19 dias depois de os contêineres saírem de Chongqing.
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2 textos da folha.
Como estão seus Mandarins, já aprendendo?
E também não me conformo como não temos trens por todo o Huezil, pqp.