#8. Não éramos todos comunistas; nós apenas queríamos independência, ou vingança

Me tornei um guerrilheiro vietcong no final da década de 50, quando eu tinha 15 anos de idade. Não foi porque eu era comunista, ou porque fugi de casa e me perdi no caminho. Meu tio lutou ao lado de Ho Chi Minh durante a Segunda Guerra Mundial, quando a resistência contra a ocupação japonesa foi criada pelos americanos e britânicos.
Eu estava apenas irritado quanto a maneira que o Vietnã do Sul estava literalmente jogando todo o seu dinheiro nas cidades grandes, como Saigon. O governo sul-vietnamita parecia ignorar as cidades menores e as vilas, como a minha. Ngo Dinh Diem (o líder do Vietnã do Sul) até mesmo desapropriou nossas fazendas e as botou sob controle de um único ricaço que apoiou a França na Segunda Guerra. Isso aconteceu em todo o Vietnã do Sul e foi chamado de "reforma agrária", invés do título muito mais correto de "exploração".
Os franceses, que controlavam o Vietnã desde os anos 1800, sempre viram os locais como "subalternos" e nós nunca os perdoamos por não nos dar a independência. Ho Chi Minh foi ignorado duas vezes, e na terceira resolveu reagir. Meu tio também queria a independência e faria tudo, até mesmo abraçar o comunismo para conseguir.

Logo que a luta começou, muitas pessoas morreram - mais de um milhão só em nosso lado. Para a guerra continuar, um fluxo constante de novos soldados deveria estar disponível, e estes não tinham o benefício de tais benesses, como "equipamento funcionando" e "a menor ideia do que fazer". Mais de 90% destes recrutas eram adolescentes ou ainda mais novos. Muitos deles não sabiam nem qual era a causa por qual lutavam. Apoiar o comunismo ou o sonho de um Vietnã unido era menos motivante do que simplesmente querer a vingança pela morte de um parente, amado ou filho. O Viet Cong era apenas uma maneira de alcançar este objetivo.
Vários deles sabiam que Stalin e Mao possuíam movimentos políticos batizados com seus nomes (Stalinismo e Maoísmo), então eles apenas imaginavam que Socialismo e Comunismo tinham sido batizados em homenagem à dois rapazes, chamados Social e Comun. Uma boa parcela de meus camaradas ainda pensava que estávamos lutando contra a França. Eles ouviram falar sobre Ho Chi Minh, mas apenas em termos propagandísticos vagos, não a história verdadeira do homem. Quando nós falávamos que queríamos uma sociedade socialista, eles diziam SIM apenas porque a maioria deles eram camponeses pobres, vivendo em constante desgraça e sem interesse nenhum em política.
#7. Nós tínhamos tanto medo da selva quanto os americanos

Os filmes americanos tendem a mostrar os Viet Cong como guerreiros implacáveis da selva, se camuflando perfeitamente na folhagem e surgindo do nada para lançar ataques surpresa contínuos nos vários Rambos americanos. Isso é um monte de bobagem: muitos de nós (incluindo eu) vieram de cidades fronteiriças e cresceram nas colinas ou nas montanhas. Nós possuíamos tanto conhecimento de selva quanto uma criança nascida e criada em cidade grande.
Então, a selva era desconhecida para muitos de nós, e ao contrário da maioria dos soldados americanos, nós ficamos presos lá durante a guerra toda. Meu tio e eu não confiávamos no sistema de tuneis que os outros Viet Congs usavam. Eles eram bastante propensos a desabar, e se isso acontecesse sob um dos quarteis ou refeitórios, provavelmente mataria mais gente do que em um bombardeio. Então nós passávamos a maior parte do tempo andando pelos matagais. Isso significa que não estávamos só completamente expostos às chuvas torrenciais... mas também aos animais. É fácil esquecer em meio a todo o drama da guerra que haviam tigres na selva. Fácil de esquecer, até você encontrar um maldito tigre.

Tigres podem ser tímidos, mas de vez em quando um de nós desaparecia no meio da noite, sem entendermos o porquê. Tigres não fazem firula após terem sucesso em uma caçada, aparentemente.
E muitas pessoas foram mortas por cobras. Também haviam ratos do tamanho de gatos, mosquitos, aranhas e centopeias para incomodar. Geralmente você não morre de mordida de centopeia, mas um de meus co-guerrilheiros cometeu suicídio depois de experimentar as dores intensas após ser mordido por uma.
Comparativamente, adversários armados lhes dão boas chances de sobrevivência. A Mãe Natureza tem coisas piores do que balas em seu arsenal.
#6. O combate não parecia em nada com o dos filmes

Filmes sempre mostraram as lutas entre os Viet Cong e os soldados americanos como sendo brutais, sanguinárias e corpo-a-corpo. Este tipo de luta certamente aconteceu, mas apenas quando todo mundo ferrou tudo. Na realidade, quando estávamos atirando no inimigo, normalmente não conseguíamos vê-los. Víamos flashs e balas traçantes cortarem o ar, e simplesmente atirávamos na direção destas. Durante mais de uma década de luta, eu vi combatentes americanos de perto apenas três vezes.
Na primeira vez foi logo depois de um tiroteio. Ficamos completamente chocados em ver como os corpos deles haviam ficados pretos. Pensamos que haviam sido afetados por uma explosão, até percebemos que a cor da pele deles era naturalmente preta. Nenhum de nós havia visto uma pessoa negra antes. Alguns até pensavam que isto era um mito. Todos eles estavam mortos ou morrendo. Nós atiramos nos feridos com uma pistola. Não tínhamos condições de prover cuidados médicos para eles. Pareceu ser mais humano do que deixá-los sangrar até a morte. Não torturamos eles ou tivemos prazer algum com suas mortes. Os guerrilheiros mais jovens que não estavam acostumados com a morte até choraram.

Graças a Hollywood, você provavelmente imagina os VC saltando de buracos no chão repentinamente e atacando. Mas como eu disse, meu grupo evitava estes tuneis apertados e cheios de armadilhas mortais exatamente por... bem, serem apertados e cheios de armadilhas mortais. Você não precisa de uma analogia para entender que isso parece uma má ideia. Mas as vezes precisávamos ir bem ao sul ou as condições climáticas davam boa visibilidade, então decidíamos que os tuneis pareciam ligeiramente melhores do que a possibilidade de levar uma bomba na cabeça. Os tuneis foram essenciais para muitos VC, especialmente perto de Saigon.
Ao contrário de viver no matagal, a vida nos tuneis era um mundo completamente diferente. Os maiores tinham cozinha até com exaustores de fumaça. Sempre tinha arroz, geralmente acompanhado de algum vegetal ou carne (rato ou macaco).
Mas como sempre, ir na rua era a melhor alternativa de banheiro. Geralmente precisávamos esperar o cair da noite para nos aliviarmos, mas se acontecesse uma emergência... bem, você espera que uma bomba caia tão em cima de você que ninguém consiga notar que você morreu agachado e com as calças arriadas. Certa vez em um túnel perto da fronteira do Laos nós criamos um jogo engraçado: o objetivo era ser a pessoa mais rápida a terminar seu "trabalho" lá fora. Nós ficamos muito bons nisso, mas um dia um rapaz se apavorou quando ouviu o som distante de um avião. Ele pulou desesperado de volta para o túnel, urinando em todos os lugares.
Só que o avião era norte-vietnamita. Todo mundo deu risada, exceto o rapaz que nos molhou com sua urina: ele era o recordista do jogo até então.
#5. Éramos a maior ameaça para nossa própria segurança

No dia-a-dia, os soldados inimigos não eram nossa maior ameaça. Nós víamos mais folhetos americanos de propaganda de guerra e montes de lixo do que combatentes.
O trabalho do meu grupo era principalmente de observar as tropas perto da trilha Ho Chi Minh. Novamente, entrávamos apenas em combate quando alguém fazia alguma bobagem. Mas nós não precisávamos de ajuda, americana ou de qualquer um para fazer bobagem e morrer: recrutar crianças indisciplinadas e dar mais responsabilidade para eles do que a de criar um Tamagushi fazia o trabalho perfeitamente.
Sim, existiam centros de treinamento VC, mas os recrutas locais raramente os frequentavam. Para cada pessoa treinada em um dos quartéis, outros três eram moradores locais com a vaga ideia do que era uma arma. Nós tentávamos ensiná-los através da prática direta no combate, mas isso era desastroso. Lembro de ensinar um recruta de cerca de 17 anos de idade a atirar uma granada. Ele puxou o pino e nos perguntou o que fazer. Começamos a gritar para ele atirar longe, mas ele apenas acenava para nós. A granada explodiu. E ele também.
Outro recruta recebeu um fuzil AK chinês para ficar de guarda. Mais tarde naquele dia, pediram para ele cortar um galho de uma árvore para dar mais visibilidade a noite. Invés de pedir um serrote, ele mudou o seletor de tiro da arma para automático e começou a atirar no galho. O galho realmente caiu, mas uma bala ricocheteou e o matou. Então tivemos de enterrá-lo, bem como sair correndo dali. Seu "tiroteio" entregou a nossa posição.

#4. Nosso melhor equipamento era sucata. E geralmente vinha da América

Como estávamos nas linhas de frente do Vietnã do Sul, estávamos bem longe da cadeia de abastecimento militar. Alguma coisa chegava pela trilha Ho Chi Minh, mas a maioria ia parar nas mãos dos VC nas proximidades de Saigon. Com o exército do Vietnã do Norte acima de nós e os Viet Cong mais importantes abaixo, os guerrilheiros no meio recebiam as piores armas.
Funcionava deste jeito: os Soviéticos faziam um monte de AK-47s e enviavam para a China. Os chineses pegavam as AKs russas para eles e mandavam suas imitações baratas adiante. O Exército Norte Vietnamita pegava as armas chinesas junto com qualquer bagulho da época da Segunda Guerra que eles tivessem sobrando. Desta forma, todas as armas boas deste lote horrível iam para o exército e os VC próximos de Saigon. Nós recebíamos peças de museu -- não peças bem cuidadas de colecionadores, e sim lixo velho.
De forma irônica, a maioria deste lixo era fabricado pelos EUA. M1s (lembro do icônico som de "ping" ao ejetar o cartucho vazio) e Thompsons eram a moda no início. Depois dos combates, sempre encontrávamos M16s espalhadas pelo chão, mas nem tocávamos nelas -- elas não funcionavam direito. Em um dos poucos combates em que estive realmente próximo das tropas americanas, eles estavam usando AK-47s contra nós. Os fuzis americanos eram horríveis.

Perto do final do envolvimento americano, estávamos recebendo apenas morteiros. O exército norte vietnamita estava acumulando todo o resto para invadir o sul. Na selva onde estávamos, atirar um morteiro poderia acertar um galho de árvore, que explodiria e mataria todos nós. Então tivemos de encontrar um jeito de utilizar em segurança, o que precisou de muitas tentativas e erros. Estava eu nos meus 20 e poucos anos de idade e era o cara mais velho do meu esquadrão. Todos vinham até mim pedir para pensar em algo que funcionasse.
O que se seguiu pareceu um filme de comédia -- pessoas seguravam o lançador na altura do peito e disparavam horizontalmente (voando para trás devido a potência do disparo). Depois tivemos a ideia de amarrá-los nas árvores, com a traseira apoiada no tronco. Criamos um canhão. Se não acertássemos uma árvore logo a frente, funcionava bem.
E sim, nós fizemos armadilhas, incluindo aquelas icônicas armadilhas de tigre, com pontas afiadas no fundo. Na verdade fazíamos estas mais pensando nos tigres do que nos soldados americanos. É... exatamente o que o nome diz. É sério, tigres são completamente assustadores.
#3. Os crimes de guerra de nosso lado frequentemente são ignorados

Sempre que alguém diz "crimes da guerra do Vietnã", as pessoas lembram do massacre de My Lai ou do Agente Laranja sendo despejado em largos trechos de floresta. Ambos casos foram horríveis. Mas por alguma razão o meu lado sempre costuma sair pela tangente.
Não deveria: nós cometíamos crimes de guerra regularmente. Como eu sei disso? Eu os vi. O Exército Norte Vietnamita propositalmente atacava hospitais e áreas médicas, porque era lá que os ataques causariam mais dano. Eu não teria acreditado se alguém tivesse me contato, mas eu vi acontecer em uma base na área de Quang Tri. Escutei a ordem sendo dada quando estávamos em um quartel do Exército esperando para receber novas ordens. Ocasionalmente também éramos destacados para dar cobertura em ataques dos VC e do Exército -- suporte com rifles de longo alcance era efetivo. Mas muitos de nós parávamos de atirar quando víamos vilas pegando fogo e aldeões levando tiros. Os VC e o Exército nunca tinham certeza se as pessoas perto da fronteira eram pró ou anti-EUA, então para não perder a chance eles atiravam em todos.
#2. Ninguém sobrevive intacto a uma guerra

Em 1974, com os EUA saindo e o Vietnã do Sul caindo, meu grupo recebeu permissão de ir para casa. Peguei a trilha e fui para meu vilarejo. Quando cheguei, notei coisas estranhas. As placas tinham sumido, nenhuma criança apareceu pedinchando, nenhum viajante andava pelos caminhos em direção da vila. Parecia muito quieto também. Lembro de ir até lá e encontrar nada. Literalmente nada.
Encontrei apenas traços de cinzas dos prédios debaixo da terra. E quando fui para uma colina próxima da cidade, vi um buraco cheio de terra remexida. Não era uma cratera feita por uma bomba; era uma cova. E apesar de saber o que eu iria encontrar, resolvi cavar.

Até hoje eu não tenho ideia se foram os norte vietnamitas, os americanos ou algum outro grupo. Mas a maneira em que tudo havia sido coberto por uma escavadeira sugere que tenha sido os norte vietnamitas. A exceção do meu irmão mais novo (que morreria na Guerra da China cinco anos mais tarde), todo mundo havia morrido. Não sou especial. Pergunte à qualquer vietnamita mais velho: eles perderam muitas e muitas pessoas amadas. E não apenas graças aos EUA e seus aliados. Eu nunca achei que ficaria 10 anos vivo no front. E para ser honesto, eu não sinto que realmente tenha sobrevivido.
#1. Apenas o tempo e a ajuda de outras pessoas pode curar feridas

Depois da guerra eu me mudei para Saigon. Até então eu nunca tinha vivido em uma cidade. Tudo o que eu sabia era como me esconder, cavar e matar. Isso surgia em minha mente onde quer que eu fosse. Eu cheguei a brigar com pessoas por causa da maneira em que carregavam uma sacola de pão, porque tinha a impressão de que podiam estar contrabandeando algo, como um rádio. Eu tirei a banheira de meu apartamento e construí uma feita de metal, plástico e terra -- para simular o banho em um rio. Nos bairros ricos dos EUA eles chamariam isto de "paleobanho" e cobrariam uma fortuna por isso, mas no meu caso era o único jeito que eu conseguia. Eu tinha de constantemente ser lembrado de pagar pelas coisas, porque estava completamente acostumado a simplesmente pegá-las. Sofri muito com transtorno de estresse pós-traumático e depressão. Pensei muito sobre suicídio.
De uma maneira estranha, o Comunismo ajudou a me manter vivo. Trabalhadores no Vietnã unificado eram forçados a socializar uns com os outros durante intervalos e refeições. Isso era imposto à todos os "comuns" do Comunismo. Lobos solitários podem ter ideias diferentes; podem não estar comprometidos com o partido. Comecei a conversar com as pessoas ao meu redor para evitar suspeitas e percebi que, para minha surpresa, que a interação humana tem algum tipo de valor.

Muitas das pessoas tiveram experiências similares: eles ficaram vivos, mas perderam suas famílias e amigos de maneiras horríveis. Após meses e anos de intervalos, almoços e reuniões de negócios, meu grupo de colegas de trabalho se tornou uma espécie de Depressivos Anônimos.
A vida melhorou muito desde então. Nos anos 90 os EUA, Austrália e Coreia do Sul meio que pediram desculpa pelos seus envolvimentos na guerra. Hoje, os EUA são vistos de maneira amigável por mais de três quartos da população. Os sentimentos negativos estão mais focados na França e na China do que nos EUA, porque os ianques pelo menos pediram desculpa. Eu pessoalmente perdoei os EUA e todo mundo mais pelo envolvimento na guerra. Perdi toda minha família, mas também consegui construir uma nova com uma esposa que também havia perdido quase toda a sua (inclusive o marido) durante a guerra.
Alguns anos atrás eu voltei para o local onde ficava meu vilarejo e o local se tornou uma floresta. A vala comum com os mortos ainda está lá, mas há uma espécie de memorial com as árvores crescendo por lá. Me faz sentir estranhamente em paz: a morte foi coberta pelas vidas novas.