VagabondMusashi escreveu: ↑30 Dez 2017 18:03
Sobre Luke
Luke não é ninguém. Ele é o perfeito everyman. Ele sou e, ele é você. Olhando pro horizonte, sonhando com o futuro. Ele é todo garoto que já quis ser soldado, astronauta. No IV, ele não era filho do Jesus da galáxia nem um supergênio. Ele era um garoto, que por acaso se viu na guerra e munido de uma mística obsoleta que lhe foi passada por um velho eremita que ainda usava espadas, conseguiu salvar o dia.
A maior parte das críticas vem de fãs que sentem que o filme não fez jus ao mito. Pessoas que sentem que seus heróis foram diminuídos, emasculados, literalmente desvirtuados: despidos de suas qualidades e virtude. Isso primariamente com Luke Skywalker. Eu entendo. Esse tipo de anticlímax geralmente deixa um sabor amargo na boca e vai contra a estrutura narrativa da maioria dos filmes cujo protagonista é um qualquer-homem evoluído ao status de super-homem. Eu lembro desse gosto amargo porque lembro na infância quando assistia a seriados japoneses cuja estrutura narrativa era muito diferente da ocidental. Kamen Rider Black passa a série toda tentando converter o irmão, Nobuhiko, pro lado do bem mas no fim o irmão se reconcilia com o fato de que seu verdadeiro eu é Shadowmoon e Kamen Rider precisa matá-lo. Os órfãos Flashman jamais encontram seus pais e precisam sair da terra no final da série, sem que seu arco principal seja satisfeito. Em vários seriados, um herói tem uma epifania seguida de um acesso sentimental de valentia mas é indignamente assassinado ali mesmo sem glória ou significância. Até mesmo o vilão: Macgaren chora para Satan Goss, implora ao seu "papai" pela força para vencer Jaspion. Até eu fiquei com pena dele quando criança.
Isso acontece em Battle Royale, Evangelion, Dragonball Z, Cavaleiros do Zodíaco e tantos outros. Todos estes anticlímax foram devastadores pra meu lado criança que gostava de acreditar que o bem sempre vence e que, quando a música atinge um crescendo e o herói faz seu discurso de superação, ele certamente vai revelar todo o seu potencial e arrasar o inimigo de uma maneira super cool. Afinal, foi assim com O Grande Dragão Branco, Karate Kid, Power Rangers, e basicamente todo o resto que acompanhei na mídia ocidental. É o arco Jesus, que permeia toda nossa cultura: a pequena derrota, a pequena vitória, a grande derrota e por fim a vitória completa. Você pode ver este arco em todo filme de everyman que existe.
Este arco é o lugar comum e traz profunda satisfação para quem segue um personagem everyman, pois o sucesso dele é seu próprio. Não é o mesmo do que acompanhar de fora um personagem inscrutável como o Coringa.
Digo isso porque creio que o filme deixou um gosto amargo na maioria das pessoas não pela estrutura, não pela cinematografia ( excelente), nem sequer pela trama, mas sim porque não seguiu este arco com O quintessencial everyman do século 20: Luke Skywalker. No universo estendido, Luke é quase um deus. Todos os jogos e literatura o tratam como um super-herói, com poderes inimagináveis. É isso o que se espera dele, afinal é isso o que se espera do protagonista de qualquer série. Mas não foi isso o que o episódio 8 fez.
No episódio 8 , Luke não é um semideus. Ele é um jedi velho, cínico, cansado. Pra muitos, isto é difícil de engolir, mas pra mim não foi, por dois motivos: um, olhei ao redor e vi que na minha vida os planos jamais vão como queremos. Os pequenos sucessos se misturam com tragédias. O primo talentoso morreu de drogas, o tio mais querido cometeu suicídio, seu pai traiu sua mãe, o presidente roubou o país.... seus heróis vão caindo um por um. Segundo, porque eu não gosto do arquetípico everyman/Jesus, isso já está batido demais. Eu entendo que muitos gostariam que Luke terminasse seu arco de tal maneira, pois começamos a acompanhar a estória quando éramos crianças e portanto é com olhos de criança que vemos o filme, mas eu não faço questão e não preciso disso. Entendo perfeitamente como muitos precisam. Entendo perfeitamente como muitos querem ver Luke ser o onisciente e perfeitamente sábio super-herói, capaz de vencer Kylo Ren e qualquer um sem o menor esforço e tendo atingido a plenitude após uma vida de acerto seguido de acerto. Isso é muito satisfatório.
Mas eu não desgosto do amargo não, e só lembro de Kamen Rider até hoje e não de Spielvan, Goggle 5, e dos outros. Eu lembro dos tristes, lembro de Flashman e Kamen Rider. Lembro quando Jiban morreu, lembro quando ao final de Cybercops Jupiter volta para seu futuro destruído ao lado de Tomoko pra lutar uma guerra já perdida. Isso é o que me marca.
Eu achei muito corajoso da parte de Rian Johnson colocar amargura e subverter as expectativas dos fãs da maior franquia midiática de todos os tempos. Eu achei realista. Luke deixou de ser Jesus pra ser humano igual ao meu pai, meus ídolos com falhas e fracassos, medos e inseguranças. Foi amargo na vida também.
Eu -entendo- como alguns não podem gostar. Acho que o amargor foi demais pra muitos. Daí não é difícil racionalizar este sentimento, alegando que Luke morreu de insolação, ou que não faz sentido uma coisa ou outra. Se o personagem é complexo, então tudo faz sentido pois ele não nos pertence e não é obrigado a agir como desejamos. Também lembro como me senti desapontado ao ver Yoda lutar com o sabre de luz. Eu não achei cool, achei supérfluo e bobo. Achei fanservice do pior tipo. Eu não sou de sentar e tentar determinar quem é mais poderoso do que quem e por quê, eu não viajo no consciente coletivo do cânon e não busco reforçá-lo ou criticá-lo com os outros. Não achei necessário ele lutar, mas como muita gente queria ver o quão forte ele seria, ganharam essa alegria.
O filme desapontou muita gente neste sentido, e eu entendo perfeitamente. Mas eu gostei do amargor. Apreciei a fraqueza de Luke, assim como sua decisão no final, e principalmente a cena da morte dele. Yoda morreu na cama e Obi-Wan se desfez em pleno ar, todos por escolha própria.
Mas estou pronto a argumentar de que isto não foi ruim, apenas amargo, e não só foi coerente como o amargor me agradou. Não é preciso que haja acordo nisso.
O lado social
Muita gente criticou as prequelas por quão irreal foi a guerra. Ao final da guerra, a celebração em vários planetas não mostrou nada devastado. Os horrores da guerra nos povos da galáxia jamais se manifestaram. A rebelião , até onde vimos, foram algumas batalhas no espaço em bases do Império ou planetas insólitos onde só havia rebeldes.
Mostrar os outros atores nisso foi uma boa idéia. Fazê-lo como foi feito não foi uma boa idéia. Estética terráquea não funcionou, o arco não foi engajante. Acho que sobre isso há consenso.
O lado racial
Quem tiver problema com a presença de negros, gordos, gagos, mulheres, como algo "excepcional" ou "irreal" é tapado e preconceituoso. Pessoas "diversas" ou "incomuns" estão entre nós e em todos os lugares e posições do mundo. Pra mim tanto faz, e se tanto fizesse pra todos, então não haveria problema nenhum. Que as pessoas se incomodem com isso, pra mim é a prova maior de que diversidade deliberada é necessária ainda.
O humor
Para alguns o filme teve humor demais. Concordo que destoou algumas vezes, mas me diverti bastante.
Rey e Kylo
Gosto da Rey. Gosto de que ela não seja ninguém. Voltamos a estaca zero. Já chega de Jesus da galáxia. O filme é sobre gente comum. No final o garoto olhando pras estrelas também não é ninguém. Somos todos ninguém. Luke não era ninguém no IV. Ótimo.
Poe
Teve um arco. Foi de piloto esquentadinho a lider da Rebelião. Achei excelente.
Seria Rey uma Mary Sue?
Não. Ela não vence Luke, ele tropeça e flutua. Não, ela não conseguiria vencê-lo, a julgar pelo duelo dele com Kylo. Ela só venceu Kylo no sabre porque ele tinha tomado um tiro de bowcaster e sido ferido por Finn. O poder dela com a Força não é nada demais. Luke treinou com Yoda por menos tempo do que ela treinou com Luke, e Luke não treinou nada com Obi-Wan. Anakin pilotava os pods sozinho. E se quiser entrar no universo expandido então há mil exemplos de gente mais poderosa do que ela sem tentar nada. Starkiller, por exemplo.
O poder dela é um pouco acima do esperado de alguém sensitivo. Já que ela vai protagonizar a série, isto é mais do que justo!
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Para todo ponto há um contraponto. O filme vai gerar reações em pessoas de acordo com suas espectativas. Eu creio sinceramente que o filme vai envelhecer muito bem, e ganhar status com o passar do tempo como um dos mais maduros e interessantes da série. É só minha opinião.
Abraço