Carlos Lopes sempre representando, cara com visão de vida foda desde sempre‘O metal brasileiro é um filho que infelizmente tenho que renegar’, diz líder da Dorsal Atlântica
Pioneira do estilo no país, banda de Carlos Lopes volta aos palcos depois de 24 anos, a convite dos discípulos do Sepultura, sem perder a verve contestatória: ‘As pessoas não gostam de mudança na música pesada’
Silvio Essinger
12/02/2022 - 03:30
O grupo carioca Dorsal Atlântica, com o guitarrista e vocalista Carlos Lopes à frente Foto: Divulgação
O grupo carioca Dorsal Atlântica, com o guitarrista e vocalista Carlos Lopes à frente Foto: Divulgação
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Em sua autobiografia, “My bloody roots”, Max Cavalera revelou ter sido o impacto de ver um show da banda carioca Dorsal Atlântica em Lambari (MG) o que o levou a fundar em 1984, com o irmão Iggor, o Sepultura — grupo que mudaria os rumos do heavy metal no mundo. Pouco conhecida para além do circuito do metal, a Dorsal seguiu pelos anos, aos trancos e barrancos, tocada pelo vocalista e guitarrista Carlos “Vândalo” Lopes — ano passado, lançou por crowdfunding o álbum “Pandemia” e este sábado, a convite do Sepultura (hoje sem Max e Iggor, liderado pelo guitarrista Andreas Kisser), encerra no Circo Voador um jejum de shows que durava 24 anos.
— A situação está tão ruim que eu tive que sair do autoexílio. Alguém tinha que falar algo! — inquieta-se Carlos, 59 anos, pioneiro do metal no Brasil e uma das figuras mais incomuns do movimento: espírita, brizolista, tropicalista e sem qualquer apreço pelas ortodoxias roqueiras (tanto que, há alguns anos, deixou de lado as guitarras importadas e grava os discos da Dorsal Atlântica só com guitarras baianas de trio elétrico). — Quando comecei, o heavy metal no Brasil era um papel em branco. Tinha só o Stress em Belém e o Vulcano em Santos, cada um foi construindo o metal à sua imagem. A minha era política, a dos outros, não.
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Ao ver a cena brasileira de rock pesado de hoje, Carlos Lopes diz sentir, sobretudo, vergonha.
— Há anos eu falava desse negócio da Prevent Senior [operadora de planos de saúde investigada pela CPI da Covid, cujos donos tinham uma banda, Doctor Phaebes, atração em festivais de rock que a empresa ajudava a patrocinar] e o pessoal achava que eu estava viajando. O heavy metal brasileiro é um filho que eu gerei, mas que infelizmente tenho que renegar — lamenta. — O que aconteceu com o metal é que a estética ficou mais importante que o conteúdo. Quando a banda grava um disco novo, na verdade não é um disco novo, é o mesmo de antes. Percebi que as pessoas não gostam de mudança na música pesada. O que é até compreensível para um cara de 50 anos... mas para um garoto de 15? Não mesmo! Não me sinto assim, a minha linha vem do Tropicalismo.
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Autor do convite para que a Dorsal abrisse o show do Sepultura no Circo, Andreas Kisser partilha suas memórias da banda de Carlos Lopes.
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— Desde antes de eu entrar no Sepultura, Max e Igor comentavam que haviam assistido a shows da Dorsal e ficavam impressionados com a presença de palco, o visual e o som. Em 1987, quando entrei para a banda, o Carlos foi o primeiro a se manifestar. Mandou uma carta falando muitas coisas positivas sobre essa nossa junção, dando uma espécie de aval e falando que esse era o caminho certo — conta. — Tocar com a Dorsal é sempre sensacional, é histórico. Além disso, vamos fazer esse encontro no Circo Voador, primeiro local em que eu me apresentei com o Sepultura, no lançamento do “Schizophrenia”, em 1987.
Grupo que lançou discos como “Alea jacta est” (de 1994, sobre um Cristo negro nascido e assassinado em uma favela) e que ensaiou uma carreira internacional, a Dorsal Atlântica deixou os palcos em 1998, depois de uma participação (conseguida graças a um abaixo assinado feito por fãs) no festival Monsters of Rock, em São Paulo. Em 2012, apostando na fidelidade de seu público, Carlos Lopes montou um projeto de crowdfunding para gravar um CD da Dorsal, “2012”. Com a mesma ferramenta de financiamento coletivo, ainda faria outros três: “Imperium” (2014), “Canudos” (2017) e “Pandemia”.
— Eu não queria voltar, esse negócio de crowdfunding era para eu me manter ativo artisticamente. Sou anticomercial, minha vendagem é de mil cópias, e isso não paga os custos do estúdio — alega. — O crowdfunding foi minha salvação, porque não vivo de passado. O mais engraçado é que só mais recentemente as pessoas conheceram os meus discos antigos, que receberam como recompensa pelo apoio. De propósito, eu não ponho os álbuns da Dorsal no streaming.
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A proximidade dos aniversários de 60 anos de idade e de dez com projetos de crowdfunding animaram Carlos Lopes a fazer mais shows com a Dorsal: em abril, ela toca no Armageddon Metal Fest (em Joinville, SC) e no Mosh Metal Fest (em São Paulo). Sem ilusões quanto ao futuro do país (“o bolsonarismo mostra que existem no mínimo 57 milhões de brasileiros racistas, homofóbicos e xenófobos da pior espécie”), Carlos crê que sua banda é mais atual que nunca:
— Veio aquele papo de que a humanidade ia melhorar após a pandemia, que todas as pessoas fariam as escolhas certas. Mais uma vez, vê-se que o ser humano errou.
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infelizmente não alcançou o sucesso que merecia, mas pelo menos lançou albuns muito fodas recentemente. O Imperium e o Canudos. 2021 é bom e o pandemia não me prendeu muito
enfim, é um alívio ver que o metau brasileiru não tem so cancerva ou xaropes como os petit princes do angra
