Blue Ocean escreveu:Se ao invés de esconder a deficiência, ele militasse a favor, ajudaria a quebrar um pouco o preconceito que reina os mutilados.
Mas enfim, é a escolha dele.
Pois é, Blue, acho que alguns superam bem o trauma, outros não... quando o cara sofre um acidente já na fase adulta, ele não carrega o trauma desde pequeno... na infância, existe a rejeição, o bullying, as piadinhas.
Cara, ontem mesmo vi uma cena lamentável... fui buscar uma pizza e na minha frente havia um casal, onde o rapaz era cadeirante... depois que pegaram a pizza, a garota foi empurrando a cadeira do rapaz, enquanto ele segurava a pizza... provavelmente moravam próximo e eles foram buscar a pizza para dar uma volta.
Bom, aguardando o pedido tinha mais 3 caras, aqueles tipo vileiros, com boné de funkeiro, que dividem uma pizza e ficam comendo na calçada com a mão... porra, quanta maldade essa gentalha fala, viu?
A garota era muito bonita, loirinha, sabe que no sul as minas são foda, né?
Então, começaram a falar que a mina era bonita demais para um aleijado, que o cara só lambia a buceta dela, que o pinto não levantava, que a mina devia se matar na siririca ou chifrava o cara... tudo isso depois que o casal se foi... porra, eu fiquei chocado com a maldade que falavam, mas enfim, mundiça será sempre mundiça e não adianta reclamar, né? No mundo atual, onde todos procuram conscientizar e respeitar os deficientes, a mundiça sempre procura ir na contramão das regras.
Cara, agora você imagine o RC desde pequeno ouvindo piadinha de outras crianças na escola, não podendo jogar bola ou praticar esporte... gostar de uma garota da escola e não poder falar porque sabe que seria rejeitado... isso esmaga o ego de qualquer pessoa, causa danos irreparáveis... o cara pode ser um ícone da música, mas se falarem da sua perna, é como mexer em uma ferida que não cicatriza... sabe quando uma pessoa deficiente entra em um local e fica observando as pessoas? Não é procurando gente bonita, é observando se alguém está debochando da sua situação... eu acho que o maior respeito que uma pessoa pode dar a uma pessoa deficiente é não ficar olhando com compaixão... não ficar observando é a melhor atitude de respeito que podemos dar a eles... a maior felicidade para um deficiente é saber que não chama a atenção por sua deficiência, e a maioria das pessoas fazem exatamente o contrário... ficam olhando como se estivessem vendo uma anaconda engolindo uma capivara.
Acho que a perda da perna lhe causou um trauma tão grande que ele prefere não se lembrar... e esse tipo de complexo só acaba se o problema for eliminado, como perna não é como dente perdido que dá para fazer uma prótese imperceptível ou uma operação plástica, ele vai carregar isso para sempre.
Aqueles filmes bonitos que fazem, é filme... na vida real, a rejeição e preconceito é muito maior do que muitos imaginam.
Cara, eu tive uma amiga na época de colégio que tinha uma deficiência nas pernas, as duas eram atrofiadas, sendo uma mais comprida que a outra... ela era rude com quem se aproximava dela e eu imaginava que era a sua auto-defesa, na hora do intervalo ela sempre ficava dentro da sala de aula desenhando ou fazendo alguma coisa... eu me tornei o seu melhor amigo, simplesmente porque eu a tratava como uma pessoa normal... eu não me importava se ela subia ou descia escadas de muleta e nunca lhe oferecia ajuda... quando ela me pedia, eu ajudava, ou quando percebia que ela tinha dificuldade para fazer algo... eu nunca ficava olhando para as pernas dela, nunca tocava no assunto relacionado às suas pernas, nunca a tratava diferente, percebi que ela odiava ser tratada como deficiente, e aos poucos fui ganhando sua confiança, tratando-a como se não tivesse limitações... cara, ela foi uma amigona e tenho saudades, mas perdemos completamente o contato.
Cara, meu post saiu comprido bagarai... desculpe, brother...
Vou continuar só mais um pouquinho, ok? Tenho muitas histórias nesse sentido...
Tive uma irmã, que faleceu a poucos anos atrás, que tinha esquizofrenia... sempre procuramos protegê-la da maldade alheia... ela tinha liberdade para sair sozinha, ir no mercado, comprar roupas... mas sempre era enganada pelos vendedores inescrupulosos... cara, eu brigava muito por ela, seja quem fosse, era só tentarem lhe passar a perna e tava lá o mano brigando com todo mundo...
Fisicamente ela era absolutamente normal, era bonita e isso era outro problema... como ela era muito ingênua e carente, ela não entendia as intenções dos caras e queria fazer amizade, e os caras com más intenções... tínhamos que ficar sempre atentos, porque ela não era do tipo daaannn, entende? Falava normal, mas tinha algumas conversas diferentes apenas, um pouco fora de órbita.
Lembrei de outro caso na minha época de solteiro e baladeiro... eu frequentei uma balada onde tinha uma garota muito linda que tinha um problema nas pernas que não sei como é chamado, tipo da cintura para baixo é desproporcional do que o tronco e ela usava muletas, sempre ia com um grupo de amigas e ela era a mais bonita de todas, sem exagero... a garota era muito alegre, ficava sentada com as amigas e bebendo, daí ficava mais alegre ainda... quando algum garanhão chegava para conversar com ela, ela conversava na boa e sua muleta ficava sempre embaixo da mesa... e depois de um certo tempo conversando, quando ela percebia que o cara queria algo mais do que conversar, ela pegava a muleta e ia para o banheiro... cara, precisa ver a reação de choque dos caras e eu conseguia imaginar a tristeza dela ao ir em direção ao banheiro de muletas, e saber que estava sendo observada... isso realmente esmaga a auto-estima de qualquer pessoa, a faz se sentir a pior pessoa do mundo... mesmo os que dizem estar felizes, é mais aparência, para demonstrar sua força... na real, o preconceito das pessoas acaba com a auto-estima de qualquer deficiente... pode fazer terapia que for, receber ajuda de profissional que for... sua deficiência sempre estará lá, e sempre será lembrada pelos preconceituosos.
Porra, Blue... meu texto ficou grande, mas acredito que a extensão das causas que fazem o RC evitar falar sobre o acidente é muito maior do que imaginamos, vai muito além da perda da perna... pelo menos eu penso assim.